A GUERRA DOS CIGANOS

A GUERRA DOS CIGANOS

A relva rasteira cobria o chão ainda úmido pelas últimas chuvas que caíram, e a babugem enfeitava ainda mais com pequeninas flores azuis, roxas, lilás amarelo e branco a caatinga outrora seca esturricada.

Aquele era ano de fartura, e, isso tornava os semblantes daqueles agricultores da região, mais alegres e com sorrisos estampados nos lábios.

O som do chocalho de sua mula era distinto. Reconhecido de longe, enfeitada com laços ao pescoço, eles, os mascates apareciam pelas fazendas com suas mulas e seus baús. Traziam novidades, e as mulheres corriam ao seu encontro, eles atendiam a todas encomendas: alumínios de cozinha, diademas com flores, pentes de ferro para alisar cabelo,espelhos com moldura,prendedores de cabelo e até sandálias havaianas. Para os homens trazia giletes, barbeadores, creme de afetar, e loção madeira do oriente, brilhantina etc. e tal. Para crianças trazia chupetas, maracás e bonecos de Mamulengo.

Naquela ocasião foi a única vez que o Seu Irineu apareceu acompanhado de uma linda mulher, cigana, que arranjou lá pelos confins, além de Itacoruba.

Chegando à cidade de Belém eles foram morar no Novo Horizonte. Logo, logo, ela se tornou muito conhecida, por que lia a mão das pessoas e prognosticava sua vida. Seu Irineu era já conhecido de todos. Um homem bom e honesto, desconhece-se o sentimento que o arrebatara, ao aceitar a cigana Azima. Viviam felizes e já estavam pensando em deixar de mascatear e botar um armarinho com as mercadorias que tinha.

Lá pelas roças, os agricultores felizes, passam dias em suas lavouras e em suas casas ficam somente uma moça que cuida e faz o almoço.

Sempre avisam, mantenha o cuidado com o cachorro louco ou algum doido, mas principalmente com ciganos que roubam nossas galinhas.

Quem são os ciganos e de onde surgiram. Sabe-se que é um mistério. Uns dizem que surgiram da Índia, pelo modo de falar e de se vestir. Mas o certo é que são um povo misterioso, nômade, arredio, esperto, velhaco e preferem não ter moradia.

Nesses tempos surgiu um forte boato de que uma multidão deles se aproximava de Canabrav, e, de fato, não tardou e começaram aparecer, vindos de Manga de Baixo.

Chamava atenção seus lindos cavalos e mulas, e eram admirados pela vestimenta e pelo linguajar estranho àquela gente simples. Os arreios dos animais eram prateados, os chapéus que usavam traziam metais de enfeite. Os lenços que as mulheres utilizavam sobre suas cabeças, eram muito coloridos, seus enormes brincos e seus dentes reluziam ouro puro. Nas mãos, muitos anéis de ouro, e o calçado dos homens eram lindas botas.

Aproximavam-se de uma residência e pediam água.

__Ganjão, dá-nos água ganjão!

E era atendido. Enquanto a pessoa se afastava para pegar água no pote, que ficava lá na cozinha, outros arrodeavam a casa curiosos. Iam pegando qualquer coisa fácil. Pegavam galinha, cocás, e até ovelhas, arreios com tanta habilidade que não se escutava se quer barulho.

Quando conseguiam o que queriam, aqueles que distraíam a pessoa da casa, dirigia-lhes um cumprimento de agradecimento.

__ Muito obrigado ganjão,Deus te conceda fartura, fortuna e saúde.

__Me dê uma informação ganjão: por aqui a algum tempo não passou uma bela cigana?

__ Sim! faz um bom tempo que por aqui passou uma que mora na cidade e chama-se Azima, e vive com Seu Irineu. São muito conhecidos.

A essa altura, aqueles que rodeavam a casa já estavam distante.

Eles eram aproximadamente uns cem, entre homens, mulheres e crianças. Passaram dentro da cidade e resolveram montar suas tendas próximo ao Riacho Maiada da Areia, e o Riacho do Moleque.

Lembro-me como fosse hoje. Moleque de calça curta, ia levar o leite na casa de Dr. Elísio Caribé, juiz de direito da Comarca de Belém de São Francisco. De longe eu avistava a torre da Igreja nova e a estátua de Cel. Jerônimo Pires, que fica em frente ao Mercado Municipal e a casa de Seu Aristides.

A estátua está sempre rodeada. Edgar da caixa d’água, João do Tio Sintô, Cláudio de Silas, Zé Pequeno, Zé Borrego, Mário de Nia e Zé de Barradas, Nezinho ferreiro e outros.

Ouvindo ali o cochicho entre eles, conversa séria! Pareciam consternados. Alguma coisa muito séria mesmo teria acontecido. Andando mais para frente aonde ia entregar o Leite, já bem pertinho do Grupo Escolar Professor Alfredo Reis, muitas mulas e cavalos, amarrados na grade da Casa Paroquial. Outros se encontravam peados e espalhados por todos os lados. A Rua Padre Norberto estava cheia.

Quando eu estava voltando após entregar o leite, parei próximo e vi Seu Beto, conversando com Seu Deoclécio Lustosa. Ambos falavam parte da estória e rezava sobre um grande conflito.

Depois fiquei sabendo por intermédio de João Bosco Lustosa, que sempre em dias verdes da caatinga adorava ver o volume das águas dos riachos, disse:

__ Fiquei sabendo que algumas velhas, ciganas, não aceitaram perder Azima, a cigana apaixonada pelo Seu Irineu, e resolveram resgatá-la. Mas outros parentes, outras famílias não estavam de acordo e planejavam acabar com os dois, “Irineu e Azima”.

Isto provocou, uma ira generalizada entre eles. O estopim estava preparado.

O começo da guerra aconteceu mesmo, foi quando a mãe do Gregório, travou uma briga de punhal com a mãe de Azim. O corre-corre entre as tendas, não era para se esconder e sim para atacar. A mãe do Gregório levou a pior e faleceu. O Gregório pedia sangue e quando um primo de Azima, Juliano, que tinha ido à cidade estava voltando, deparou-se com o lastimável assassinato da mãe de Gregório, e seu sangue foi requerido numa luta atraiçoada, com tiros de trinta e dois, pelo Diogo, marido de Rosa Bela.

A caatinga verdejante retinha grande parte da fumaça saída das espingardas e se demorava a dispersar no ar. Muitos que tinham revólveres e espingardas de cartucheiras, iam recarregando suas armas e retornavam procurando outro familiar dissidente. Iam atacando indiscriminadamente com loucos, mulheres e crianças como se nunca tivessem sido consanguíneos. As mulheres choravam e gritavam desesperadas, não sabiam se corriam protegendo os filhos ou com arma em punho atacava outro parente. Os facões reluziam no ar, punhais ultrapassavam de uma só vez, as mães e filhos de colo, os homens procuravam outros como se procurava preás, e de tenda em tenda, iam se acabando e fazendo lama com o sangue dos parentes. Durou um dia a matança, e não conseguiram pegar o Irineu que se refugiou na Ilha Grande e Azima, aos prantos, foi amparada por Norbertina vindo, posteriormente depois de muito tempo a casar-se de papel passado com Irineu.

Fiquei boquiaberta ,o meu queixo caiu ente o horror descomunal, que se abateu entre aquele povo. A vegetação murchou naquela caatinga e o fogo não se alastrou. Parecia querer esterilizar o torrão naquele lugar. E é conhecido o local da guerra dos Ciganos.

NATINHO SILVA
Enviado por NATINHO SILVA em 10/07/2017
Código do texto: T6050941
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