Nega

Nega.

Ela era uma negra linda. Não gostava de ser chamada de mulata, morena, neguinha ou algo que lhe lembrasse da cor de pele. Quase sempre estampava um sorriso autêntico e um olhar preciso desses que estão sempre nos inquerindo alguma coisa. Ela era alta, esguia, pernas torneadas como que moldadas em telhas de barro, como se dizia antigamente. Os braços longos terminavam em mãos longevas e finas. Seus traços eram finos e seu rosto tinha como moldura uma negra cabeleira ondulada que não precisava de artifícios para mover-se a sabor do vento. Seus lábios eram tanto quanto carnudos e convidativos, desses que somente as negras possuem. Sua presença era no mínimo notável. Não passava despercebida e ela sabia disso e por várias vezes havia se aproveitado disso. Sua vida nunca havia sido fácil, nem morna, nem portanto de quimeras. Começara a trabalhar bem jovem, quase criança, e já sabia desde então que passaria muito tempo sendo mandada por todo mundo que se achava melhor um pouco que ela. Suas impressões sobre o mundo lhe conferiam a habilidade de uma vencedora nata, e pouca coisa a tirava do sério e de seu centro de gravidade. Família. Isso era tudo e mais um pouco em sua vida. A vida havia lhe presenteado marido e filhos, os amava mais que tudo e neles pensava suas vinte e quatro horas ininterruptas de vida ou sono. A ideia de sua ausência lhe era trágica e por isso faria qualquer coisa para continuar em laços eternos com seu marido. “Pena não amar mais”, lamentou-se sentindo-se instantaneamente rubra pelo pensamento quase pecaminoso que andava tendo. A imagem do moço lacônico e com olhar quase lascivo lhe conferia rubores que não apareciam em sua face de jambo. “Dane-se!”, ela quase gritou alto decidindo não desistir de estar viva e largar-se na onda dos olhares furtivos e toques furtivos e casuais de mãos. “Não estou morta, definitivamente”. Sorriu sorrateira na esperança de seu sorriso matreiro ser descoberto. Qual! Quando se deseja se ver se é invisível. Duro fato. A curiosidade a fazia liberar uma dose de feminilidade exacerbada, passava pela sala quase rebolando, num gingado suave ,virando o rosto sorrindo como se nada fosse. As pessoas que a viam não só olhavam como imaginavam coisas. Mas ela não era bonita. Mas como assim não era bonita! É ,não era. Seu magnetismo era. Seu gingado era. Seu jogar de cabelo era. Seu sorriso era. Sua voz suave e quase maviosa era. E aquele rabiar de olhar com um certo sentido de fome e doçura também. Então ela era linda. Sentou-se como se largando em frente ao espelho depois de por seu melhor vestido e colocar sua melhor maquiagem e enfeites. Mirou-se resoluta a sair e explorar cada canto da festa que ia. Devia de ser bom. Daria uma chance a um novo sorriso carregado de esperança.

Para Urania.

Com Amor

Martha Lisboa

04.07.2017