1009-MINHAS AVENTURAS NA LITERATURA

1ª. Parte

Ao ingressar no Ginásio Paraisense, no ano de 1947, meu mundo mudou completamente. Não apenas na rotina diária de aulas de manhã e estudo, muito estudo à tarde, como também nos relacionamentos. O primeiro ano do curso ginasial era freqüentado por 55 alunos, de idades entre onze e quinze anos, meninos e rapazes com diferenças reais além das idades.

A diferença maior estava no estudo propriamente: matérias separadas, novos assuntos, novos idiomas (francês e latim nas quatro séries, inglês a partir da 2ª. série), história geral, entre outras.

Minha preferência foi pela história e pelo português. Nas aulas de português a atenção maior era para a gramática. Abrindo as lições, citações de autores importantes do idioma, de Camões a Monteiro Lobato. Fiquei fascinado e cheguei a organizar um caderno de citações. O que me despertou a curiosidade: queria saber mais sobre Machado de Assis, José de Alencar, Aluizio de Azevedo, Lima Barreto, Mario de Andrade.

Monteiro Lobato já era meu conhecido, pois possuía “Dom Quixote para Crianças”, com impressionantes ilustrações de Gustavo Doré: e uns dois ou três livros da turma do Sitio do Pica-pau Amarelo.

Em uma classe, perguntei ao professor Alencar Assis onde era a biblioteca do ginásio.

— O ginásio não tem biblioteca não, Antonio.

Apesar da pouca idade, estranhei não haver uma biblioteca no Ginásio Paraisense. Pois se até no Grupo Escolar Campos do Amaral, que eu frequentara, havia uma biblioteca, como não havia no Ginásio? O professor recomendou que eu falasse com o Irmão Germano, regente da classe.

Fui e perguntei.

Ele respondeu:

— Temos uma pequena biblioteca só para os alunos internos. São livros de aventuras, para jovens.

— E os alunos externos?

Ele me olhou com cara de quem está sacaneando e me disse:

— Se você quiser, posso te alugar os livros, mas só durante as férias. E se você gosta tanto de ler, posso providenciar uma assinatura de uma revista mensal. É bem boa.

Era “Avante Cruzados”, que assinei sem conhecer. Tratava-se de uma revista de 32 páginas, dedicada principalmente aos cruzados, isto é, aos garotos e garotos que freqüentavam a “Cruzada Infantil”, uma espécie de clubinho dentro da Igreja Católica que ensinava algumas coisas além do catecismo, e tinha uma prática de rezar o terço diário.

Gostei da revista, que tinha também muitas páginas de curiosidades, artigos não religiosos e nas últimas páginas, uma aventura de um herói chamado Tim-Tim, que mais tarde viria a conhecer nos quadrinhos. A aventura era em texto, com uma ou duas ilustrações, e era vivida pelo garoto em terras longínquas e misteriosas.

E uma característica que só vi naquela revista: cada edição mensal era impressa totalmente numa cor diferente: vermelho, verde, azul, etc. Não havia gravuras coloridas, isto é, com muitas cores. Diferente do “Tico-Tico”, com quadrinhos e gravuras muito coloridas.

Gostava tanto da revista “Avante Cruzados” que a assinei por três anos, só a abandonando porque foi ficando infantil para meu gosto.

Ao chegar o mês de julho, mês inteirinho de férias, procurei o Irmão Germano para alugar os livros. Quando lhe falei sobre o assunto, ele não mostrou muito entusiasmo. Parece que ele havia falado em aluguel de livros só para se ver livre de mim.

— Você tem dinheiro para alugar?

— Quanto é.

— Um cruzeiro e cinquenta centavos, para ficar co você uma semana.

— Tenho cinco cruzeiros. Posso alugar três?

— Não, só dois de cada vez. Você dá conta de ler dois livros numa semana?

— Depende. Onde estão os livros?

Ele abriu um armário onde estavam os livros. Fiquei extasiado: uma centena de livros de aventuras apertados em quatro prateleiras.

— Pode escolher.

Demorei. Não sabia o que levar. Passava a mão pelas costaneiras, ia deliciando-me em apenas ler os títulos: “Mowgli, o Menino Lobo”, “O Príncipe e o Pobre”, “Robin Hood”, “A Vingança do Iroquês”, “O Astro do Terror”. E muitos livros com aventurs de Tarzan! Capas impressionantes, coloridas, cheias de ação e movimento. .

Era a COLEÇÃO TERRAMAREAR, que me fascinou totalmente.

A custo e sob as vistas do impaciente Irmão Germano, escolhi dois: “O Astro do Terror”, pela sua capa impressionante: uma caveira vermelha tendo como fundo uma paisagem de um mundo estranho. E “Tarzan, o Filho das Selvas”, por já conhecer o herói em seriado irradiado pela Radio Tupi de São Paulo.

Saí com os livros em disparada, não vendo a hora de abrir e ler as primeiras aventuras para “jovens e adultos”.

Mais tarde, fique sabendo que esta coleção maravilhosa, a “Terramarear” era editada pela Companhia Editora Nacional, fundada por Monteiro Lobato (que já era meu predileto), quem selecionou e traduziu muitos dos livros da grande relação de cerca de 80 títulos.

Para mim, foram os livros desta coleção que despertou o mundo da literatura universal, e aumentou meu gosto pela leitura, que felizmente cultivei por toda a minha vida, e dando razão a uma citação já não sei de quem:

”Todo leitor pode se tornar um escritor.”

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 5 de maio de 2017.

Conto # 1009 da Série 1.OOO HISTÓRIAS

INFORMAÇÃO - Conto autobiográfico. Época: anos 1947 a 1950 – os anos em que freqüentei o Ginásio Paraisense. Todas as situações, personagens e locais são reais.

Paraisense: gentílico de quem nasce em São Sebastião do Paraíso (MG)

DÚVIDAS: pergunte ao autor: argobbo@yahoo.com.br –

SOBRE O AUTOR: Pagina no Google. - Antoniogobbo.blogspot.com.br

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Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 04/07/2017
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