Diálogos Cotidianos 1
O louco, o poste e o egocêntrico
- Esse país parece com aquela história do louco, conhece? O sujeito foi enlouquecendo aos poucos, pois parece que é assim mesmo que a loucura acontece, não? Bem, o sujeito foi enlouquecendo, mas a família ia contornando suas loucuras. Até que um dia, o louco surtou e começou a quebrar as coisas dentro de casa e falar uma língua que ninguém conhecia. Aí, a família precisava tomar uma atitude mais severa, não é mesmo? Decidiram amarrar o lunático a um poste que ficava num quartinho onde se guardava materiais diversos. E o louco ficara ali, isolado e preso. Após alguns anos, muitos anos na loucura, solidão e prisão; sua mulher resolveu o libertar. Depois de lhe tirar as correias e abrir a porta do quartinho, o sujeito não moveu um centímetro do poste. Ele se habituara tanto ao poste que não conseguia se libertar. Entende? Essa história fala de nós.
- Entendi, Pedro. Mas os tempos estão mudando, meu velho.
- Mudando? Mudando onde?
- Ora, você sabe. Você é muito pessimista! Com essa evolução tecnológica da informação estamos mais bem informados sobre os acontecimentos gerais.
- Sim. E o que mudou? Continuamos os mesmos loucos agarrados aos nossos postes. Todas essas informações que enchem nossas timelines são filtradas. E o filtro é somente aquilo que se agarra como musgo aos nossos postes.
- Já vem você falando por parábolas!
- Que parábolas, Paulo. Falo claro como esse céu azul. O sujeito recebe uma enxurrada de informações e só digere aquelas que fortalecem seu poste, entende? As informações que poderiam livrá-lo das amarras que o prendem ao seu poste ele ignora. Não adianta colocar diante de um faminto um belo filé suculento se ele não tiver dentes.
- Estou entendendo. Então não temos saída.
- Ora, agora quem me parece o pessimista é você.
- Bem, não sou tão pessimista quanto você, mas esse quadro que você demonstrou é bem visível e entristecedor.
Em todo bar brasileiro nenhuma conversa fica restrita aos conhecidos, sempre alguma palavra ou ideia escapa alcançando ouvidos alheios. E as palavras e ideias de Pedro e Paulo alcançaram os ouvidos de Lucas.
- Com licença, amigos. Estava ouvindo a conversa de vocês e gostaria de fazer uma pergunta.
- Pois não. - Respondeu Pedro voltando-se para Lucas com um semblante de indiferença que fazia questão de deixá-lo explícito.
- Olha, não quero ser ofensivo, mas sempre escuto esse tipo de crítica. Gostaria de saber qual é a sua proposta para livrarmos os homens dos postes.
- Proposta? - Pedro já respondia com sarcasmo. - Proposta, meu amigo? Não tenho proposta nenhuma, sou um indivíduo e só tenho proposta para mim mesmo. Se o sujeito deseja manter-se agarrado a um poste isso é problema dele!
- Ora, mas assim sua crítica é vã! - Insistiu Lucas.
- Sim, vã como a vida. Não faço isso pelos outros, meu caro, faço isso por mim.
- Olha, amigo, não interprete ao pé da letra o meu amigo. Ele é bem esquisitão quando tenta divulgar suas opiniões. - Paulo tentou amenizar, pois já notava o semblante assustado de Lucas.
- Não, tudo bem. Estou lhe entendo. Você é um egocêntrico e não pense que pretendo ofendê-lo. - Concluiu Lucas.
- Sim, isso mesmo. Olha, depois dos cinquenta quem ainda se ofende com palavras merece o poste que o prende.