UMA LEMBRANÇA DE MEU PAI

Aconteceu há muito tempo.

Mas é como se ainda tivesse sido hoje.

Lembro-me do meu pai sempre austero, calado, ocupado com o trabalho, sem tempo para os filhos.

Sustentar uma família, naquela época, não era tarefa fácil e penso que ainda hoje não seja.

Imaginava que o distanciamento fosse pelo fato de não nos amar.

A casa onde moravamos tinha quintal grande, com galinhas, abóboras, mandioca, batata-doce e frutas.

Completavam a alimentação familiar.

Meu pai tinha especial gosto por cajús, amarelos e vermelhos, e tinhamos alguns pés distribuidos pelo terreno, no meio de abacateiro, goiabeira, mangueira, laranja baiana, mexerica, néspera, etc.

Um deles, ainda em formação, crescia inclinado, sem prumo.

Como a mim, imaginava eu, razão da implicância do meu pai para com ele.

Um domingo, fazia trabalho de escola na mesa da varanda do fundo e observava meu pai que cuidava das suas árvores.

Analisava o cajueiro inclinado.

Chamou-me.

Entregou-me um longo e pesado pau e explicou-me que pretendia colocá-lo como arrimo.

Amarrou uma corda na parte superior da árvore.

A idéia era puxar a corda de modo a levantar o cajueiro e minha tarefa era colocar o pau como apoio.

Isso manteria a árvore ereta.

Eu era adolescente e sentia-me inferiorizado pelo meu pai.

Obedeci.

Segurei o aroeira e meu pai, no outro extremo, posicionou-se para puxar a corda.

Tudo na vida têm duas versões.

O olho que vê de um lado, não é o mesmo que enxerga do outro.

Colocadas em perspectivas diferentes, as pessoas têm visão diversa do fato.

No momento em que meu pai puxou a corda, eu vi a minha caneta caida no chão.

Deixei o aroeira e corri para apanhá-la.

Com o puxão, o longo e pesado pau soltou-se e caiu sobre mim.

Mordendo-me a orelha e saiu resvalando pelo meu dorso.

Seu peso imobilizou-me.

Estava ileso, sem ferimento algum.

Dor eu sentia no espírito, por ter desapontado meu pai.

Recuperei-me logo, vexado.

Meu pai, colocado no oposto, enxergou cena diversa.

E correu para mim assustado.

Vi medo nos seus olhos.

Olhos febris, ajudou-me a desvencilhar-me do aroeira e ficou a procura de ferimento.

Depois, deu-me um abraço.

Forte, forte, forte.

Foi este o primeiro abraço que recebi dele.

Tão longo, que dura até hoje.

Meu pai partiu há muito tempo.

Mas ainda sinto seu corpo em mim, sua barba no meu rosto e o cheiro de cigarro da sua boca.

Compreendi que era amado e aprendi que um bom abraço tem o poder de durar a eternidade.

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Araçatuba-SP, 12-08-07

(Dia dos Pais)