Pliapa
O nome dela era Teresa. Ela era chata. Bem, era assim que pensava Carlos. Carlos começou a chamar de Pliapa. E quando perguntavam a ele. “Por que, Pliapa?” Ele respondia. “Porque Pliapa é uma coisa chata”. Amauri dizia não ter encontrado tal palavra no dicionário e acusava Carlos de criar um neologismo. Priscila achava que alguém que tinha a capacidade de criar palavras dando-lhe significados era intelectual. Carlos era um intelectual para Priscila. E isso o ajudou bastante para tirar proveito do belo corpo da morena.
Teresa não compartilhava dos sentimentos de Priscila e achava Carlos muito pedante. No entanto, todos sabiam que nesse assunto a bronca era contra a bela Priscila. Amauri costumava dizer. “Que culpa tem a menina de ser bonita?”. Coisa que Teresa repudiava em Amauri, pois percebia que havia sarcasmo em suas palavras.
O apelido de Teresa seguia sem o seu conhecimento e quando ela entrava na copa, alguém cochichava no ouvido do outro. “Chegou a Pliapa.” Ela ouvia o cochicho e os risinhos, mas gostava de dissimular desinteresse, pois achava assim demonstrar espírito elevado.
Carlos seguia com seu jeito extrovertido e cool. Conquistava a todos com a sua sagacidade e esperteza. Tinha a facilidade de dominar com certa rapidez vários assuntos do cotidiano e sabia como manuseá-los de maneira eficaz, usando cada assunto específico com a pessoa específica. Num ambiente a ordem do dia era o futebol e Carlos sabia os resultados. Entre as meninas da telefonia eram as fofocas de celebridades. Nos altos escalões executivos eram os puteiros. Carlos conseguia estar bem em qualquer ambiente e consequentemente o apelido de Teresa seguia o mesmo destino, com a mesma rapidez.
O apelido de Teresa foi subindo os andares, entrando nas salas, nas reuniões, nas festas de fim de ano, nos churrascos. A única pessoa que desconhecia o apelido era a própria Teresa. Como um juramento de uma seita, parecia que todos estavam combinados em esconder de Teresa sua alcunha.
Mas como nada é para sempre, certo dia numa confraternização entre as telefonistas em que Teresa participou, Betânia deixou escapar o maior segredo da empresa. E pela primeira vez, ela ouviu ser chamada de Pliapa. Ela perguntou a Betânia. “Por que estão me chamando de Pliapa? O que isso significa?” A telefonista sob os olhares de reprovação das demais telefonistas, respondeu. “Ah, Teresa, é apenas uma brincadeira do Carlos.” Agora Teresa conhecia o apelido e o autor. Teresa inquiriu novamente Betânia. “E você sabe o que isso significa?” E Betânia respondeu. “O Amauri disse que é uma palavra inventada, um tal de neo alguma coisa, eu acho.” Teresa parece não ter ouvido a resposta da telefonista e numa olhada rápida via a face de cada menina e todas desconfortadas com a situação. Emendou. “Vocês sabem o que pliapa significa?” Augusta, a telefonista mais velha, tomou a frente e disse. “Teresa, pliapa é coisa chata.”
Teresa se despediu das meninas. Desceu até seu andar. Andando de cabeça baixa sem olha para os lados foi até a sua sala. Pegou o telefone fez uma ligação. Pegou em seguida sua bolsa e saiu de sua sala do mesmo jeito que entrou. No hall de elevadores chamou o elevador. Entrou e desceu.
Todos olhavam para Carlos com olhar de reprovação. Aquele olhar dissimulado que busca redenção num bode expiatório. Carlos disse. “Isso passa, gente, Pliapa é chata, mas é forte.” Priscila o olhou indignada e disse que ele deveria pedir desculpas a Teresa. Ele emendou. “OK, gata, amanhã eu falo com ela e tudo fica resolvido.”
Final de expediente. Carlos seguiu sua via crucis até sua casa. Abriu a porta, tirou o paletó jogando-o no sofá, tirou os sapatos deixando-os na entrada. Sentou-se em sua poltrona, não ligou a TV, apenas descansou a cabeça. Silêncio, nada se ouvia, apenas a goteira da insistente torneira da cozinha: pli-a-pa, pli-a-pa, pli-a-pa, pli-a-pa...