O FILHO DO PADEIRO DA ESQUINA

Quando a Joice disse anunciou sua gravidez, o Augusto ficou encantado. Como ele mesmo descreveu, “aquele seria o melhor presente do mundo”, já que seu primogênito estava com o nascimento previsto para o mês do seu aniversário.

Como bom marido, durante toda a gestação da esposa, o Augusto lhe fez todas as vontades, satisfez todos os seus desejos - inclusive os absurdos - e, para completar, também se sentiu grávido. Já próximo do filho nascer, os amigos diziam que era difícil saber quem tinha uma barriga maior, se a Joice ou o Augusto. Para dar uma força para a mulher, ele fazia questão de comer parelho com ela. Resultado: dez quilos a mais para Joice e quinze a mais para ele.

O Júnior resolveu vir ao mundo na manhã do aniversário do Augusto. Alegria total. Tudo perfeito. Mas… e aqueles olhinhos azuis? Aquela penugem loira na cabecinha do bebê? O Augusto era moreno, Joice também. Como que a criança tinha nascido clarinha?

- São os genes – apressou-se a explicar a sogra, meio embaraçada – Meu avô era alemão de Berlim.

- Ah… - fez Augusto segurando o filho no colo, minutos depois de nascido, achando meio estranho aquela história de genes.

A criança era mesmo uma graça. Um bebê gordo e forte que passava de colo em colo quando finalmente a Joice foi para o quarto. O Augusto até que tentou, mas além de não ter coragem, tinha gente demais por ali. Ele queria saber da Joice que história era aquela de avô alemão. Ela nunca tinha dito nada para o Augusto. A família toda tinha cabelo escuro. As únicas loiras eram aquelas primas que freqüentavam o salão da esquina. Que genes eram aqueles? Hein? Hein?

O bebê foi para casa em dois dias e Augusto ainda estava com aquela pergunta entalada na garganta. A própria Joice estava diferente, esquiva. Parecia não querer olhar direto nos olhos do marido. Às vezes não deixava o Augusto segurar o bebê como se tivesse medo de alguma coisa. Tudo muito estranho. A sogra passava uns dias na casa deles para auxiliar a filha e, em algumas situações, flagrara as duas em cochichos pelos cantos da casa.

Por causa daquele mistério todo, o Augusto não conseguia curtir a sua paternidade como sonhara. O Júnior era um fofo, uma criança linda. Calmo, só chorava quando sentia fome. De resto, nem se sabia que havia um bebê em casa. Mas aquela situação o estava estressando. Ainda mais quando ele foi comprar pão e sem querer, olhou bem para a cara do padeiro. Pele clara, cabelo loiro, olhos azuis. A cara do Júnior. Matei a charada, pensou ele, decidindo se ficava magoado e calado ou matava a desgraçada.

Nem uma coisa nem outra. Dali para frente, o Augusto resolveu apatifar. Quando ele chegou em casa com os pães da padaria do pai do Júnior, encontrou a sua velha tia Betina, tão querida e mimosa, com o bebê nos braços. Ela, na sua inocência da velhice, disse ao sobrinho, assim que o viu:

- Mas que criança bonita, Augusto. Com estes olhinhos azuis, ele pode ser capa de revista!

- É… igualzinho ao padeiro da esquina.

A Joice ficou um pimentão, a sogra se engasgou com o chá e a tia Betina achou que fosse uma piada, rindo sem parar. Dali para frente foi assim. Toda vez que alguém falasse dos atributos do Júnior, o Augusto berrava que era a cara do padeiro. Claro que a situação ficava constrangedora. As pessoas riam sem graça, também porque já tinham feito a mesma comparação. E a Joice continuava muda. Aliás, depois da gravidez, o casal nunca mais conversou direito. Quando passou a quarentena, ela não quis saber de sexo. E algumas vezes, para implicar com o padeiro, o Augusto ía com o Júnior comprar pão para ver a reação do cara. Augusto ficava curioso em saber se o padeiro já tinha ido visitar o bebê enquanto ele estava trabalhando. O pior de tudo era fazer papel de marido corno na frente da vizinhança, dos amigos e de toda a família.

Quando o Júnior completou dois meses de vida e sua semelhança com o padeiro estava cada vez maior, o Augusto recebeu uma proposta de trabalho no Nordeste, que era tudo o que ele queria. Como seu casamento já ía mal – a Joice falava com ele aos monossílabos – e ele sustentava um filho que não era seu, o Augusto resolveu chutar o pau da barraca. Só não aceitou o emprego, como fez as malas e foi embora sem se despedir. Ele achou que era a única maneira de sair de cabeça erguida daquela vergonha toda. Deixou um dinheiro para a Joice e se ela precisasse mais, que pedisse para o padeiro. E lá se foi ele, deixando toda sua vida de marido traído para trás, jurando que nunca mais se apaixonaria por mulher nenhuma. Agora ele só queria curtir. Mulheres... todas iguais.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 11/08/2007
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