A mancheias...
Após haver amargado a vida em postos peculiares como Port-au-Prince e Kingston, o sonho do Embaixador Armindo Cadaxa de, em reconhecimento, pegar uma grande potência, enfim realizou-se, com a sua designação para chefiar a missão brasileira em Varsóvia. Potência, média contudo. Uma inexpugnável muralha havia se interposto ao seu anelo de ser o Extraordinário e Plenipotenciário em Pequim.
Mas a Polônia tinha seus mil e tantos encantos, sua conturbada, mas finalmente vitoriosa história, malgrado os grilhões da cortina de ferro. E até a estação de caça, facultada aos chefes de missão - e de mira.
Mas a vera paixão de Armindo, conquanto artilheiro de truz, era a caça às palavras. A cada dia brindava sua entourage, e por consequência, o próprio e distante Itamaraty com as pérolas que distribuía com sapiente galhardia.
E tinha estofo comprovado para tamanha acrobacia. Obras publicadas sobre rituais voduísticos no Haiti, e uma coletânea de poemas em inglês, entre os quais me recordam os títulos de Elegies of Lesser Sierras e The Shadows Within, davam-lhe amplo cabedal para mais ousadias literárias.
Do rosário de palavras que nos ensinou, a conta-gotas, lembro-me de imediato, de escarmentar, à sorrelfa, à socapa, a mancheias...que nos incitavam - depois da corrida ao léxico - a emular aquele distinguido preceptor, devo confessar que até esta data tenho malogrado na tentativa de as encaixar num texto oficial, ou até mesmo, livre, descompromissado
de formalidades.
Mas devo delatar, que tentei por outra via, sem contudo revelar a fonte ao preclaro Chefe, que inobstante apreciou meus esforços e até me encorajou a prosseguir na porfia das escripturas. Hoje, decorridos 30 e tantos anos, e supondo prescritos os lítero-delitos, entrego-vos e me entrego:
Li, sempre que pude, a Coluna do Castelo, do extinto Jornal do Brasil, e de lá, maravilhado com aquela fluidez e sapiência, garimpei coisas como
guarda pretoriana, corifeus do regime, jacobino, et coetera. Parodiando o nosso mandatário quando de sua primeira manifestação missivística à então presidente, Dilma Rousseff, votando-lhe inteira lealdade, latinizo:
Verba volant, scripta manent