Meteoros
Ela começou a sorrir no dia que as estrelas começaram a cair do céu. A principio não se deu conta que não eram estrelas, mas pequenos meteoros numa explosão de queda livre. Foi então que lembrou-se vagamente do fenômeno ter sido exaustivamente noticiado nos últimos dias. “É uma boa noite para ficar só” pensou já confabulando consigo mesma o que faria de sua noite falsamente estrelada. Sorriu saudosa, as luzes lembravam as festas de cordão de sua infância. Venceu rapidamente o tempo que faltava para chegar a casa, nem se daria ao trabalho de fazer nada, ligaria a tevê e veria novamente as estrelas em queda o quanto pudesse. Meteoros sempre foram sinais de mal pressagio na historia da humanidade. Os antigos os viam como arautos de catástrofes como pestes e guerras sem fim. Com certeza a estrela natalina teria sido um. Os “grandes físicos e profetas como Nostradamus sempre previram e acertaram muitos deles.” “Hoje os meteoros carecem de mistérios” ela pensou alto. A ciência os havia desnudado e tirado toda graça e maldade. O mistério aguça a humanidade a buscar a verdade e, quem sabe as verdades e mistérios do mundo estejam no fim, uma pena para ela que adora perceber o mundo como um mistério. Ela era um mundo. Um universo contrito e apertado numa mente curiosa e inquieta. Sorriu de novo. Lembrou-se das aulas sobre a idade média, a mais obscura e iluminada de todas para a curiosidade. “Eu devo ter um pedacinho de alma feudal” pensou alto novamente. Na falta de com quem verbar oralmente falava sempre alto para si mesma. “Não olhe para mim assim, posso ser doida mas ainda não estou maluca, falar sozinha não é coisa de gente solitária é coisa de gente inteligente” disse mirando a si mesma no espelho da sala. Sorriu de novo, deligou a tevê e decidiu dormir ainda embalada pelo pipocar das estrelas. A noite fria a fez tomar um banho rápido, colocar seu pijamas favorito e deitar o mais rápido que pode. A sua memoria afetiva sempre a fazia dormir em posição quase fetal. Fechou os olhos e tentou esvaziar a mente até enxergar apenas o vazio. Gostava de relembrar coisas antes de dormir, suas lembranças mais queridas eram as que lhe faziam mais bem. Lembrou-se de quando criança descia a ladeira da rua de casa desesperada como um saco de papel de pão em uma mão e o leite de saquinho plástico na outra para entregar a mãe e ir correndo brincar. Podia sentir o cheiro do barro vermelho e a textura macia que usava para fazer panelinha de barro. Era bom! Cheiro ocre e gosto idem. Sorriu lembrando do gosto do barro macio. Continuou ouvindo o silêncio lá fora. A solidão pode ser terrivelmente severa. Mas não era solitude. Em seu coração ela sentia uma profunda paixão por seu silêncio, por seus desejos mais íntimos, seus castelos de areia, suas escolhas. Ela nunca estava sozinha consigo mesma podia entender como o mundo poderia ser tranquilo e sonoramente alegre. Seus dias poderiam ser como meteoros, pequeninas porções do Cosmo que poderiam cair a seus pés trazendo de bem longe perfumes do Universo só para ela e que acompanharia a qualquer lugar que fosse ou estivesse. Sorriu de novo e no oco e vazio daquela noite que fora tão estrela dormiu ouvindo o próprio som do coração.
Martha Lisboa
Lady Malibe
04.06.2017