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E numa tarde de sábado, após rechonchudas glândulas celestes lacrimejarem sobre a terra, gotas frias e cintilantes, eis que...
1 peteleco, 5 cambalhotas e 1 aterrissagem; deixando um arco de fumaça no ar, queda-se a bituca do cigarro mentolado na areia do quintal.
6 ligações não atendidas, 2 mensagens de voz e 1 texto extenso são vistos pela garota mexendo no celular da prima.
2 calcinhas, 2 pares de meias sujas e 8 latinhas de cervejas vazias e esparramadas pelo chão complementam o cenário bagunçado, outrora denominado: Room Sweet Room. A dona do quarto olha para a outra ao ouvir:
- You’re my sweet heart!
- Ô! Hoje, estou muito chateada. - Responde Emily franzindo o sobrolho.
- Não me sinto bem te vendo desolada!
- Não se preocupe comigo!
- Prima! Acabei de ver o Telmo correndo na Praça das Bromélias. Ele continua gato e... Desculpe-me, não queria...
- Sem problemas, primuxa! São águas passadas! Águas correntes são as que, ultimamente, descem minha garganta para esquecer minha decepção.
Emily despeja cerveja em uma caneca, na qual está escrito: Noite de Valpúrgis. Bebe o conteúdo em um único ato. Gargalhadas ecoam pelo vestíbulo. Acende um cigarro pelo filtro e com uma voz casquinada recita Göethe: - Ala a asa, amigo rouxinol, cem vezes vais saudar-me a amada ao pôr do sol. Era isso que ele assinava em todos os e-mails que me enviava. Ah, cachorro!
Elisa diz: - Você ainda gosta dele! Vamos sair e passear! Não é se entupindo de álcool e fumaça que você se esquecerá.
Ao perceber o equívoco cometido com o cigarro, inicia um sussurro verborrágico em direção à tela do notebook, retira o filtro queimado e reacende o cigarro. Em seguida,clica em um arquivo de música. Ao início da canção Wish You Were Here, faz um movimento energético e vibrante com o braço direito e fala seu impropério favorito: - Puta que pariu! Essa é muito irada!
Elisa gesticula os braços de maneira a parecem limpadores de para-brisas de carro e diz: - Não faz isso! Eu gosto muito de você!
Ficam a se olhar, e logo se abraçam. No intervalo entre uma canção e outra, ouve-se a algazarra de gatos em cima do telhado. Emily sorri e pensa consigo: “gatos, amem-se!”
Levanta-se e seguem pelo corredor em direção à sala, onde sua mãe costura um vestido. A senhora de cabelos desgrenhados, recebe um beijo na testa. Ruborizada, olha de soslaio para a filha.
- Mãegnífica! Te doluuuu!
Elisa, encostada à parede, apenas observa.
Emily adentra o banheiro, aperta o interruptor e a lâmpada pisca de modo intermitente. Ela se senta no aparelho sanitário e o filamento elétrico da lâmpada se rompe, deixando-a no escuro. O líquido morno desce em forma de jato produzindo um som semelhante ao feito pelas enfermeiras ao pedirem silêncio com o dedo indicador junto à boca. Asseia-se na água fria da ducha do sanitário e se esquece de dar a descarga. Ao sair, fecha a porta com um leve esforço para levantá-la.
Ouve-se o toque da campainha, ela olha pelas venezianas da janela e vê um rapaz com a mão apoiada no muro e o rosto virado para a rua. Emy não responde nem abre a porta, enquanto não visualiza o rosto do sujeito próximo ao portão. Míope, a garota quase cerra por completo os olhos na tentativa de enxergar melhor.
De repente, a face oculto se vira para ela. Antes de apertar a campainha novamente, uma exclamação o interrompe:
- Já vai!
O rapaz leva as mãos à cintura e sorri. Emy abre a porta, e à distância de três metros do portão, lança a vista para cima e pergunta: - Pois, não?
- Boa tarde! Estou com sede. Poderia me oferecer algumas gotículas de água?
- Você veio aqui só para isso?
- Por favor! Estou sedento.
- Você deve estar de brincadeira! – A moça contorce o lado esquerdo da boca.
- Preciso de água para o corpo e de seu amor para aplacar a sede de desejo do meu coração.
Ela arrota, conserva-se indiferente ao galanteio e destrava o portão. Telmo escorre a mão por cima da bermuda e com a ponta dos dedos polegar e indicador, ajeita a cueca incômoda. Ao virar-se para buscar água, Emy dá de cara com Elisa segurando uma jarra de água e um copo.
Telmo tremula as mãos postas sobre os ombros da garota e diz: - Por favor, escute-me!
- Beba a água! Assim você engole suas palavras tolas e afoga a esperança que tens de me engabelar.
Ela se desvencilha do rapaz e o deixa a gaguejar com o braço esticado em sua direção. Com a cabeça erguida, entra na casa, segue até o seu quarto e fecha a porta com vigor.
Elisa serve a água e Telmo bebe pausadamente. Dialogam por alguns minutos. Ao final, retira-se inconformado.
A prima retorna ao quarto e vê um filete úmido no rosto da moça denunciando a lágrima escorrida.
- Preciso comer algo doce para me sentir melhor.
A amiga sugere que é melhor ela tomar banho e deitar:
-...E amanhã, iremos à praia.
A costureira estende o vestido sobre uma mesinha, inspeciona-o e conclui que está pronto. Mais tarde, observa a filha dormindo e sorri ao notar uma fotografia da família reunida em cima do criado-mudo, incluindo o seu falecido esposo e pai da moça. Também percebe um guardanapo amassado ao lado da orelha da estudante de arquitetura. Desamassa-o e lê:
| E+151+621+228+Y você é o meu amor. |
| Te adoro gatinha. |
| TELMO que não te esquece |
Publicado na Revista Propulsão Arte & Literatura:
https://www.revistapropulsao.com/ilton1