As consequências da impulsividade

Sandra, menina pobre nascida no interior do interior, desde muito cedo se questionava se aquele era o seu lugar. Estudava no colégio mais próximo e auxiliava a mãe nos trabalhos domésticos, nunca enxergando norte no seu caminho.

Ao final daquela manhã ensolarada, chegou em casa com o vestido empoeirado e os cabelos soltos e embaraçados, sentou-se à mesa, cruzou os braços e, ao olhar o fogo que fumegava no fogão à lenha, cansou-se de si mesma.

O velho cão latiu. Prenúncio de gente estranha no velho portão. Sobressaltou-se e, pela janela, vislumbrou sua prima Jane, com um boné branco abringando-a do sol. Uma surpresa agradável demais.

Jane estava diferente, com um largo sorriso nos lábios. Mesmo na sua simplicidade, parecia exuberante. Alegre começou a contar a sua trajetória na cidade grande, desde que saiu da localidade vizinha à de Sandra. Iniciou como faxineira em casas de família e, assim que pode, ingressou em um Curso de Enfermagem. Naquele momento estava trabalhando na UTI do Hospital Conceição e já era conceituada no mercado. Comentou que conseguiu um financiamento e comprou um imóvel pequeno, mas acolhedor. O olhar de Sandra brilhava. Seu pensamento produziu cenas da cidade grande que ela nunca visitara. Na manhã do dia posterior, no café da manhã, Jane já melhor ambientada, tomou coragem e sugeriu aos pais de Sandra que a deixassem retornar com ela. Em Porto Alegre ela poderia estudar e, nas horas vagas, fazer um trabalho qualquer para manter-se financeiramente, já que as despesas não seriam muitas, pois ocuparia o seu apartamento e seria sua companhia. Sandra ficou perplexa e, sem confessar, tomada por pensamentos de que aquele mundo nunca a pertenceria, que não conseguiria se ajustar à uma cidade desconhecida, que nem roupas tinha para trajar na cidade grande, que imaginava fosse algo fora do normal. Com olhar baixo aguardou o que seus pais argumentariam.

No dia posterior, após a receptividade dos seus pais ao convite de Jane, Sandra já estava à caminho de Porto Alegre em um ônibus semi-direto, compassando os seus pensamentos com as paradas do mesmo para apanhar passageiros. Seu coração, embora ainda aos pulos, parecia abrandar a cada quilômetro conquistado. Chegando na rodoviária tomaram outro ônibus e, em vinte minutos, chegaram no apartamento. As primeiras noites foram um tanto insones, mas Sandra foi adquirindo, aos poucos, uma auto-confiança antes desconhecida. Sua prima matriculou-a em um colégio próximo e, dentro de uma semana Sandra já estava estudando normalmente. Seu primeiro passeio foi na Redenção, onde abismou-se com a beleza das frondosas árvores e a forma eclética que os visitantes passeavam. Sentiu-se em casa. Uma das bancas chamou a sua atenção. Era uma banca que vendia sapatos artesanais bem simples, mas com aparência muito confortável. Chegando à banca deparou-se com Tomáz, o artesão que, com um largo sorriso, recepcionou Sandra como se já a conhecesse. E por alí ela ficou em conversa animada sobre a produção dos sapatos até que Jane apareceu com um saco de pipocas rindo à toa.

Sandra apaixonou-se pelos sapatos, questionou sobre todos os detalhes e Tomáz, com a maior calma, respondeu a todos e, virando o jogo, fez a seguinte pergunta: “o que gostas de fazer?”. Sem titubear, ela respondeu: “customizar roupas”. Como sempre vivera sem dinheiro, costumava utilizar-se da máquina de costura de sua mãe para customizar suas poucas roupas e, aos poucos, foi ganhando prazer nesse trabalho e fazendo para outras pessoas da localidade na qual vivia. Falou com tamanho brilho no olhar que Tomáz gritou: “estou à procura de uma sócia”. E ela, gritando mais ainda, respondeu: “pois eu serei a tua sócia”.

No final de semana seguinte retornou ao interior a fim de visitar os pais e, ao mesmo tempo, pedir a máquina para sua mãe. Lá chegando, após matar a saudade deles com abraços e beijos calorosos e brincar com o cão, olhou para a mesa onde estava a máquina e não a viu. Questionou a sua mãe e a mesma respondeu que, com a sua saída de casa, resolveu doá-la para um Clube de Mães formado na Paróquia do Vilarejo. Mesmo “sem chão”, Sandra não ousou repreendê-la, pois conhecia o Clube e tinha conhecimento do bonito trabalho social que era realizado.

No dia seguinte acordou com uma voz conhecida vinda da cozinha. Era a vizinha de seus pais, de nome Rita, que costumeiramente passava por lá para uma prosa e um cafezinho. Gostou de rever Rita e, depois de algumas novidades sobre a cidade grande, resolveu falar sobre os seus planos. Sua mãe entendeu, naquele momento, o olhar triste de Sandra ao não avistar a máquina no dia anterior. Foi quando pediu desculpas para a filha e, como num passe de mágica, Rita estendeu a mão falando: “pois então leve a minha máquina, que está há mais de um ano guardada sem uso”. Sandra abraçou-a com carinho e começou a detalhar o que pretendia fazer.

Seu pai, que só as ouvia resolveu entrar na conversa e questioná-la sobre a forma do trabalho. Foi quando Rita falou sobre Tomáz. Imediatamente ouviu: “e tu achas que eu vou permitir que inicies uma sociedade com um guri que mal conheceste num dia qualquer?”

A vontade de Rita era desaguar toda a sua raiva sobre o pai que, naquele momento, estava destruindo o seu castelo, mesmo sem conhecer Tomáz. Claro, era tinha consciência de que a atitude poderia parecer precipitada, mas era impulsiva, jogava prá ganhar, tinha perdido muito dos seus medos e não via problema algum em apostar em algo que tinha grandes chances de dar certo em função da sua habilidade. Não hesitou em retornar com a ideia formada de que faria parceria com Tomaz. Não demorou muito para perceber que ele não era o que ela pensava. Na primeira boa venda de um lote de camisetas customizadas Tomaz a enganou com o preço cobrado ficando, certamente, com uma quantia maior. Rita, em desespero, pensou nas palavras do pai.

À noite, nem bem deixou Jane entrar no apartamento e já começou a despejar o seu arrependimento. Chorava e ao mesmo tempo gritava de raiva, batendo forte no peito, culpando-se por tudo. Foi então que Jane, com sua paciência peculiar, acalmou-a expondo vários exemplos de sua vida onde a imaturidade e a decepção cruzaram o seu caminho. Ao mesmo tempo, sem criticar a prima, com as palavras certas, a fez enxergar que a impulsividade, na maioria das vezes, é danosa e que tudo tem o seu tempo certo. Sugeriu que Sandra procurasse um grupo de senhoras que trabalhavam com artesanato em um Clube de Serviços próximo ao apartamento, a fim de buscar espaço e começar a expor as suas roupas. Em uma semana Sandra já estava expondo o que gostava em um bazar no centro da cidade, totalmente integrada ao grupo.

Maio.2017

Rosalva
Enviado por Rosalva em 29/05/2017
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