Em busca do outro lado

Iara, com 34 anos de idade, andava cansada de suas andanças um tanto mundanas. Cansou-se da sua ativa vida social, que contemplava baladas chatas e bate-papos sempre interesseiros. Queria mesmo era terra firme.

Após um longo e cansativo ano de trabalho, com horários fixados para cada atividade, com o mínimo de flexibilidade possível, naquela manhã resolveu que chegaria na empresa e agendaria suas férias, há tanto tempo postergadas.

Depois de um acerto junto a Área de Recursos Humanos, ligou para Eunice, sua grande amiga, para convidá-la para, juntas, fazerem uma pequena viagem ao Nordeste. Sentia que não era o melhor momento, pois sairia com um importante projeto inacabado, mas o sol a chamava e o silêncio a clamava.

No final da tarde foi chamada para uma reunião emergencial na Gerencia. Era quarta-feira, o dia que jantava religiosamente com sua mãe. Ligou para ela informando que chegaria mais tarde, ou até mesmo que nem chegaria, pois conhecia muito bem aquele tipo de reunião de última hora. Chegando na sala deparou-se com seu Gerente um tanto agitado e, quando da mesa de reuniões composta por todos os convocados, informou que havia sido demitido e que desconhecia o rumo que a área tomaria. De súbito Iara foi tomada por um estranho medo. O processo de demissão se alastraria? Como ficariam as suas férias recém agendadas? E o projeto inacabado? Respirou fundo, manifestou a sua lástima pela perda do Gerente e saiu um tanto zonza da reunião que não parecia com as anteriores, pois não durou mais do que meia hora.

Na saída acenou para a recepcionista, entrou no elevador e, na descida no wall percebeu que seu celular vibrara. Era uma mensagem no whatsap de Fernando, seu colega de área que também fora convocado para a mesma reunião. Na mensagem um caloroso convite para um happy hour no bar da esquina, de nome “Boteco do Zé”, conhecido por todos como o lugar mais simples e, ao mesmo tempo, mais aconchegante do Butantã, bem próximo à USP, local onde Iara se formara em Administração de Empresas.

Após dois copos de chopp, muita descontração e conversa na companhia de Fernando, um colega empático e aparentemente com uma vida bem resolvida, decidiu que, no próximo dia, independentemente dos boatos que ouviria ou mesmo dos pensamentos que certamente passariam por sua cabeça, não ousaria buscar a mudança do que havia acertado. Tiraria as suas férias com Eunice e nelas buscaria respostas para tantos questionamentos do porquê ainda não encontrara a famosa “terra firme”. Olhando e sorrindo para Fernando falou: “Não imaginas o quanto esse encontro me fez bem. A tua presença me deixou mais leve e, apesar das turbulências, tomei aqui, em silêncio, uma decisão muito importante”. Fernando não ousou questionar qual era a decisão. Sentiu que se tratava de algo que não tinha retorno.

Na saída seu celular vibrou. Sem pressa Iara dirigiu-se ao carro e, ao depositar a bolsa no banco, resolveu verificar o que era: uma mensagem informando que sua avó havia sido levada para o hospital em estado bem crítico.

Através do espelho percebeu que Fernando ainda não tinha saído e, num ímpeto, chamou-o. Em rápida conversa comentou sobre o fato e, sem perceber, relembrou o tempo que passou na casa da avó em razão de não adequar-se com seus pais na adolescência. Sua avó era, sem dúvida alguma, a pessoa mais importante na sua vida, apesar de estar no fim da vida, já com 93 anos. Fernando silenciou, tocou as mãos de Iara e sugeriu que ela se dirigisse ao hospital a fim de ver a avó e que não declinasse dos seus planos, argumentando que os planos de Deus já haviam sido traçados e que sua avó certamente ficaria feliz em saber que ela estava decidida a gozar suas férias e, quem sabe, até tomar decisões que até então não tivera coragem. Iara agradeceu o apoio de Fernando e novamente dirigiu-se ao seu carro.

Em estado robotizado rumou para o hospital, longe de onde estava e, no meio do caminho recebeu uma ligação de Arthur, seu irmão que residia na Bahia, sugerindo à ela que, em função do estado da avó, ela seria a pessoa mais indicada para acompanhar o seu estado de saúde de perto, já que era, sem dúvida alguma, a neta mais próxima.

Chegando ao hospital buscou esclarecimentos junto ao médico de plantão. Foi informada de que o estado de sua avó era crítico em função de um AVC com derramamento de sangue no cérebro, o que a deixou entubada e, infelizmente em função da idade, dificilmente se salvaria. A previsão do médico era de dois a quatro dias para o seu descanso, uma vez que as condições físicas, apesar da idade, eram boas. Inevitável passar um balança pela cabeça de Iara. Sentou-se em uma poltrona na sala de espera da UTI, amassou os cabelos para trás com as mãos trêmulas e prometeu prá si mesma que alí dormiria um sono dos justos e, assim que acordasse, a dúvida se dissiparia.

Ao acordar, vislumbrou um raio de luz do sol que entrava pela janela, cortava a sala e findava na porta da UTI. Fitou-o tão fixamente que, ainda em meio à tensão, enxergou uma mão que se punha na direção da porta. Era um sinal, pensou. O sinal de que a sua vó estava bem, quem sabe descansando deste plano. E assim aconteceu. Em poucos minutos foi chamada para tomar conhecimento do seu desencarne.

Estava preparada, com a consciência tranquila de que fora uma boa neta e guardaria o melhor de sua vó. Findo os funerais ligou para Eunice comunicando que os planos seriam concretizados.

Absolutamente nada, mas nada mesmo seria deixado para depois. Pensou na brevidade da vida e abriu a mala para colocar as suas roupas, de preferência leves, muito leves.

Maio.2017

Rosalva
Enviado por Rosalva em 29/05/2017
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