NOTÍVAGA

Notívaga.

Ela recostou-se nas almofadas recobertas com tecidos grossos parecidos com as cortinas de quase um brocado antigo azul permeado de fios vermelhos, fechou os olhos e quis somente dormir. Dormir lhe era tão caro que só a palavra lhe parecia um sonho. “Tente apenas relaxar”. Ordenou a si mesma. Sua cabeça, no entanto dava voltas e seus pensamentos eram um mar de redemoinhos à procura de uma linha de ordenamento. Uma xícara de chá  talvez a colocasse no rumo de Morpheus. Levantou-se da cama certa de que não dormiria tão cedo. Atravessou a casa até a cozinha e colocou água para ferver, escolheu sem pressa um punhado de melissa, jasmim, camomila e um pedacinho de canela no intuito de fazer um chá bem forte. Colocou tudo numa caneca grande e esperou a água ferver. A noite estava calma e quase nada se ouvia além de algum surrupios do outro lado da janela. O dia havia sido longo e agitado. E precisava respeitar seus limites. Sua mente ansiava por um descanso e seu corpo uma cama macia depois de um delicioso e perfumado chá e um banho muito quente, mas algo em sua vida não lhe ia muito bem. Por vezes se sentia demasiadamente velha, cansada e sem alento. Seu coração às vezes não batia em seu peito e às vezes parecia estar em outra dimensão. Seu tempo não combinava com seu estado de espírito. Não que fosse uma pessoa depressiva e candidata a  fazer mal a si mesma, mas algo lhe faltava e nem ela mesma ainda descobrira o quê. As suas noites insones serviam para fazê-la pensar profundamente sobre tudo em seu entorno e em tudo que a incomodava. Viver sozinha era um ponto, solitária uma  escolha. A família sempre fora distante, porém conveniente quando havia interesses de ambos os lados. Família não era exemplo. Olhou o restante do chá na xícara. Como era bom! Sorriu imaginando que a noite nem seria tão longa assim. Se tivesse sorte dormiria logo. Quem sabe o chá ou a lembrança saudosa em seu coração a acalmasse e ela dormisse enfim. Poderia também, terminar algum trabalho em andamento ou apenas navegar um pouco ouvindo música, ou lendo algo interessante ou ainda, quem sabe ,encontraria alguém tão insone quanto ela para conversar. Colocou mais um pouco de chá na xícara, fechou as cortinas da cozinha,  atravessou novamente a casa em direção ao quarto, pegou o notebook, recostou-se novamente nas almofadas e largou-se à tarefa de distrair-se até quem sabe adormecer, ou até que o Sol a tocasse tímido e morno pela janela do quarto finalmente a convidando a dormir.

Martha Lisboa

29.05.2017