A SEREIA E PAU-DE-FUMO

A Sereia e Pau-de-Fumo

Os cabelos esbranquiçados de Ananias, em seus oitenta e tantos anos de idade, costumava passar seus dias em uma roça que possuía na ilha de Canabrava. Porém, nunca dispensava em frias noites, sob o luar no terreiro da casa grande da fazenda, uma reunião entre amigos para uma boa prosa e boas estórias, cada mais mirabolantes do que a outra.

Nesse dia, estavam todos reunidos no terreiro da casa de Dona Mariquinha, a lua não negou sua magnífica presença, e, como véu de prata se debruçava sobre os arbustos e cactos daquela pequena mata ciliar próximo do rio. No chão de terra batida que ladeava a velha moradia de Seu Abdias. Ladeavam espichados de decúbito dorsal por todos os cantos e aguçavam seus ouvidos. E num banco de baraúna esticado como vara de marmelo, estava Seu Eliseu, com o seu chapéu de palha que usava sempre como se fosse um travesseiro. Se acomodava pronto para escutar essas estórias de suspense, cujo objetivo era de certa forma meter medo na criançada. Sem maldade, somente para evitar que elas se aventurassem nos perigos das caatingas e nas profundezas das águas correntes do velho Chico.

O início, dessa vez cabia a Seu Eliseu, o velho pescador experiente, que se levantando de onde se encontrava assentou-se sobre uma pedra de pisar fumo, soltava seus gazes com a maior cara de pau e dizia sai cachorro. A m criançada dizia “O cachorro está longe Tio”. Um pescador respeitado que sabia aonde cochilava o jacaré do papão amarelo, a traiçoeira serpente da curva do rio e o nêgo d’água das pedras do Corisco.

Começou dizendo assim:

__ Numa noite de lua saíram rio acima cada um em sua canoa, Pau de Fumo e o nêgo Panta.

Era uma noite dessas que prometiam surpresa e fez um suspense, e prosseguiu:

__ Boas pesca e quem sabe lá o quê!

Cosou outra vez o queixo como que, para se lembrar de alguma coisa. Correu os olhos em volta para certificar-se de que todos estavam atentos e largou:

__ Vocês sabiam que por detrás daquelas enormes pedras nas profundezas da cachoeira do Canta Galo, existem umas figuras de mais ou menos uns noventa centímetros de altura, que é metade gente e metade peixe!

A criançada toda arregalou os olhos e silenciou. Alguns se achegaram mais pra perto de suas mães.

Prosseguiu sua narrativa dizendo:

__ Em noites de lua a figura estranha costuma seguir pescador solitário, até a proximidade da pedra branca, e com seus encantos o arrasta com canoa e tudo, para as panelas de água, nas corredeiras da cachoeira, fazendo-o desaparecer para sempre do mundo dos vivos. Pois bem! Fiquem os senhores sabendo o que Eu vou lhes dizer. Pau-de-Fumo que vocês todos conhecem ele era chamado assim por este apelido, porque era o mais preto entre nós, homem de fé, bondoso e respeitado, corajoso e que nada temia. Puserm-lhe esse apelido o qual aceitou sem delonga, porque assim o distinguia dos coverde e frouxos que aparecesse.

Ele era um cidadão muito enjoado, gostava de perfeição, como todos sabiam que ele preferia realizar sozinho a sua pescaria. Com seus grandes olhos brancos que nem lã de algodão, a menina do olho tal qual uma quixaba sobre a neve (Quixaba, fruto da quixabeira, árvore sapotácea). Nunca se casou porque segundo as más línguas, as mulheres o recusavam por ter o pênis exageradamente grande, com dos homens Elefantes de tribos africanas. Mesmo assim, não faltava pretendente, e ele era cobiçado pela Georgina dos aribés, uma negra jeitosa e faceira que vendia aribés na feira de Barra de Tarrachil, BA; Essa negra era também uma pessoa muito querida e conhecida na região. Chamava a atenção das pessoas o fato de ela ter a região glútea exageradamente avantajada como uma formiga saúva. Quando ela passava as pessoas não se continham, uma discreta risada entridentes, evitando, porém que ela percebesse. Senão ela soltava fogo pelas narinas e virava um dragão, proferindo palavrões, gatos e lagartos, cobram e escorpiões. Coisas que ela mesma saberia dizer o que eram, apenas que eram agouros.

Aquela noite distraído Pau-de-Fumo, com sua canoa levado à força da correnteza de repente deparou-se na Pedra Branca. Avistou ali a silhueta de uma linda mulher, com seus longos cabelos dourados. De imediato preparou o lanço com sua enorme tarrafa, cobrindo toda a pedra, aprisionando aquela misteriosa figura.

Ali sem saber estava aprisionando uma Sereia de água doce.

Vendo-se imobilizada, não pode agir seu encanto, tendo que submeter-se ao velho pescador que a tratou com delicadeza, carinho e respeito. Ela temendo ser mantida aprisionada prometeu em juramento ao pescador, muita fartura durante toda sua vida. Daquele dia em diante era o único pescador que a qualquer hora do dia ou da noite sempre realizava ótimas pescarias. Tornando-se conhecido de Rodelas a Manga de Baixo, rio acima até Canabrava, Barra de Tarrachi8l, Ilha Grande e Ibó.

Era sabido que foram muitos e muitos encontros da Sereia e Pau-de-Fumo, naquela pedra branca, onde nenhum outro pescador ousava aproximar-se. Até que, um belo dia, notou-se a ausência de Pau-de-Fumo e se perguntaram qual que teria sido o seu paradeiro, seu sumiço. Ninguém sabia nada a respeito e procuraram por todos os lugares nada encontrando. Preocupados, o medo foi tomando conta de todos e resolveram se reunir exclusivamente para tentar apurar o tal mistério. Convidaram os moradores das margens do rio dos dois lados Bahia e Pernambuco. O encontro foi debaixo de uma grande, velha e retorcida quixabeira que ficava na ribanceira do rio de onde se podia visitar a Pedra Branca (chamada quixabeira do Bebedouro).

O silencio foi quebrado com uma pergunta de Manoel!

__ Será que a linda mulher com quem ele dizia se encontrar não o tenha devorado?

Ao que Porfírio responde:

__ O que é isso compadre Manoel, isso não, ele era esperto e desconfiado, não iria se deixar apanhar como um menino!

__ Será que ele não foi devorado por algum jacaré do papo amarelo?

Seu João responde:

__ Não é possível, apesar de que ele depois desses encontros misteriosos andava meio esquisito.

Outros consideravam a possibilidade de ele ter passado mal e sido arrastado pela correnteza do rio, até as cachoeira de Paulo Afonso, e se despedaçado nas pedras.

Essas hipóteses não se sustentavam aja vistas que nem os pedaços de sua canoa, nem o seu corpo, nunca foram encontrados.

Os pescadores continuaram sua lida, até que um dia surgiu o comentário de que certa noite, enquanto Zuza esticava sua rede no remanso das águas, havia enredado uma certa criatura com as seguinte característica: sua cabeça era enorme e reluzia sob a luz do luar. Tinha um olho só, semelhante olho de peixe enorme , sua boca com milhares de dentes afiados como de piranhas, mais dentes do que a bola de triturar mandioca na casa de farinha. Sua boca era enorme, suas orelhas como dois pratos de ágate.

Assombrado com a criatura nunca dantes vista, cortou as cordas de sua rede, soltado-a rio abaixo e levando consigo aquele ser desesperador. Uma coisa, contudo lhe chamou a atenção. A semelhança é incrível com o pescador Pau-de-Fumo, desaparecido naquelas águas.

Chamaram-no de Nêgo d’água e aquele boato percorreu toda a região. Não era à toa que todos desconfiavam do relacionamento entre Pau-de-Fumo e a Sereia de água doce, não foi difícil chegarem à conclusão de que as tais criaturas bem que poderiam ser o fruto daquele misterioso romance.

Era sabido por meio sabe-se lá de quem, que Pau-de-Fumo realizava boas pescarias antes de desaparecer. Tiveram a ideia de devolver às águas, junto a pedra branca, alguns peixes vivos, pescados na hora e funcionou. Daí quando não atinavam para o ritual, ou que por algum motivo se esqueciam de levar alguma coisa. Sua canoa era sacudida a ponto de afundar e acabavam perdendo todo o pescado e quando clamavam por Pau-de-Fumo, tudo se normalizava, restabelecia e até recuperavam seus peixes.

Muitos pescadores perderam suas vidas afogados naquelas águas agitadas, por não acreditarem, por darem ouvidos aos conselhos daqueles antigos pescadores. Assim naquela região todos conhecem o mistério sobre os filhos da Sereia e Pau-de-Fumo, que são chamados de Nêgo d’água.

Navegue aquelas águas, não leve um peixe vivo para soltar sobre a correnteza da pedra branca ou não faça uma prece a Pau-de-Fumo . Sua pesca pode torna-se como a viagem de Colombo: Cheia de peripécias.

NATINHO SILVA
Enviado por NATINHO SILVA em 27/05/2017
Reeditado em 01/06/2017
Código do texto: T6010970
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