Depois da merda no ventilador [conto]
[Dona Gertrudes - 53 anos - Dona de Casa]
Quando eu virei para a segunda rampa eu vi os dois lá em cima, se esfregando encostados no canto da grade. Mas ainda não sabia o que eles estavam fazendo. Foi quando fui chegando perto e escutando o barulho que percebi o que estava acontecendo. Foi horrível. Eu não sabia o que fazer e comecei a gritar. Aí todo mundo começou a chegar e um Senhor muito simpático e elegante veio me confortar com uma água e perguntando se estava tudo bem, o que tinha acontecido, essas coisas. Ele foi muito reconfortante.
[Bernardo Pereira - 36 anos - Pedreiro]
Lá de baixo eu já tinha ganhado o que estava rolando com os dois lá em cima. Os dois tavam se pegando forte. A tia lá começou a gritar não sei muito bem porque e um pessoal começou a correr do ponto para cima da passarela. Eu fiquei na minha. Tava na rampa do outro lado e voltei lá para baixo para esperar a coisa esfriar. Lá em cima começou o empurra empurra e a gritaria. A galera tava com sangue nos olhos. Aí começou o falatório, a polícia chegou e aí que não cheguei perto mesmo. Tava na cara que ia terminar em confusão.
[Renato Seixas - 23 anos - Auxiliar de produção]
Eu não estava entendendo o que estava acontecendo, pra falar a verdade eu nem queria me meter em nada. A confusão estava rolando lá em cima na passarela e eu fiquei aqui no ponto de ônibus só olhando. Então um cara saiu correndo do meio da confusão e veio na direção do ponto. Os dois policiais saíram na caça. O povo veio atrás deles gritando “estuprador, estuprador”. Aí quando ele passou na minha frente eu enfiei o pé nele e ele caiu. Sei lá, achei que era o certo a fazer. Ele estava correndo da polícia com todo mundo gritando estuprador. Daí todo mundo caiu em cima dele e eu me afastei.
[Fátima Abrilina - 39 anos - Professora]
Acho que ninguém sabia o que estava acontecendo. Eu fiquei aqui em baixo no ponto o tempo todo. Primeiro começou uma agitação lá em cima na passarela. Dois policiais que estavam com mais um numa viatura aqui em baixo foram para lá ver. Alguém passou por aqui e disse alguma coisa sobre estupro. Aí um homem desceu a passarela correndo e caiu quase na minha frente. Aí eu saí de perto. Olha, nesse mundo de hoje o melhor que a gente pode fazer é não entrar em confusão. Sempre falo isso pros meus alunos: trabalhem e não se metam com confusão.
[Léo Kleim - 25 anos - Estudante]
Acho que fui um dos primeiros a chegar lá. Eu tava no meio da passarela e nem tinha percebido o que estava acontecendo. Escutei um grito e quando vi o cara fechando a braguilha todo desajeitado entendi tudo e não tive dúvida, parti para cima dele. Se a grade não fosse tão alta tinha jogado ele lá para baixo. Daí começou a chegar gente e soltei o infeliz porque tavam batendo em mim sem querer tentando acertar ele. O cretino aproveitou para correr, mas a gente pegou ele no ponto. Aí veio um monte de viatura e levaram o marginal.
[Seu Agenor - 60 anos - Aposentado]
Para falar a verdade não vi nada. Eu vinha subindo a primeira rampa da passarela tão pensando na vida que nem percebi o tumulto. Quando virei para segunda rampa vi uma Senhora chorando perto de toda confusão e fui tirar ela de lá. Ela estava chocada e tremia. Falava umas coisas sem sentido, não dava para entender nada. Até agora não sei direito o que aconteceu. Acalmei um pouco ela e trouxe ela aqui para baixo, longe da confusão. A gente ficou conversando e nem vimos como tudo acabou. O nome dela era Gertrudes, se não me engano. Peguei o telefone dela também.
[Mariana Carla - 29 anos - Publicitária]
Minha nossa, foi uma selvageria. Eu já tinha passado pelos dois se pegando lá, mas nem tinha ligado, me pareceu normal. Então uma mulher começou a gritar e um monte de gente correu na direção deles. Um cara passou por mim como se fosse um animal. Antes que começassem a bater na menina também eu tirei ela do meio da confusão. Coitada. Ela gritava desesperada para pararem com aquilo, mas ninguém escutava. Então o menino saiu correndo do meio da briga e ela foi correndo atrás. Tentei segurar ela, mas não consegui. Achei que já tinha feito tudo que podia e me afastei.
[Marília Estorme - 19 anos - Estudante]
O que aconteceu aqui foi um absurdo. Eu vi tudo. Os dois só estavam dando uns pegas na passarela quando um cara partiu para cima deles do nada. Aí começou uma gritaria e toda confusão. Não sei da onde tiraram essa história de estupro. Eu já vi os dois na faculdade, eles estudam lá também. É revoltante.
[Carlos Betolho - 41 anos - Policial]
Nós estávamos realizando a vigia da passarela quando observamos uma aglomeração se formar no topo da segunda rampa. Eu e o cabo Martins subimos para averiguar o que estava provocando a desinteligência. Cinco cidadãos estavam contendo o elemento, que quando percebeu nossa aproximação se desvencilhou dos homens e tentou se evadir do local correndo. Iniciamos uma perseguição e capturamos o elemento no ponto de ônibus do outro lado da Avenida com a ajuda dos cidadãos que estavam no ponto. Ele reagiu se debatendo no momento de ser algemado, e tivemos de usar de força física para imobilizá-lo e colocá-lo na viatura.
[Marcela Camorga - 21 anos - Secretária]
Não vi nada, eu estava sentada no ponto ouvindo música no fone de ouvido e mexendo no celular. De repente uma mulher caiu em cima de mim e quebrou meu telefone. Quem vai pagar isso? O ônibus passou e não parou por causa da confusão. A gente não pode mais nem esperar o ônibus em paz. É sempre o povo que paga pelos problemas dos outros. O que eu tenho haver com isso? Tem que colocar esse monte de animais na cadeia e esquecer lá.