O menino, a bola e a toalha
Um grupo de meninos jogava bola em uma rua da vizinhança. Era aquele alvoroço todo o final de tarde. Pobres meninos de pernas finas que ainda sonhavam em ser jogador de futebol, vestir a camisa de seu time do coração e brilhar na seleção brasileira.
A vizinhança era calma. Os meninos podiam jogar na rua despreocupadamente, que a chance de serem interrompidos por um carro pedindo passagem, seria mínima. Todas as tardes quase no final do dia eles se reuniam. Eram uns 12 garotos que depois de muita discussão na escolha dos times transformavam-se nos craques do futebol mundial.
Tinha um garoto que era especial. Todos chamavam ele de toquinho. Era um magrinho, filho de um contador e de uma professora que morava numa casa no final da rua. Ele era o maior craque do pedaço. Rápido, driblador, batia com os dois pés. Era o craque. Todo mundo dizia: “Esse menino vai longe”. Na hora de escolher os times era aquela briga, pois todo mundo queria o Toquinho no seu time.
Um dia um novo casal se mudou para a casa que ficava bem na frente do pedaço plaino de rua onde os meninos praticavam o seu futebolismo. Eles eram um casal diferente. Não paravam em casa. Não tinham filhos. Diziam que eles trabalhavam em algum desses serviços em que as pessoas ficam mais fora do que em casa, o fato é que ele era visto de vez em quando, ela por sua vez, poucas pessoas tiveram esse privilégio.
Aquela mudança repentina não seria um problema, não fosse pelo fato de que a bola teimosamente parava no pátio dos novos vizinhos. No inicio os “donos” da bola iram buscar, depois mudaram-se as regras e então passou a prevalecer o “quem bate, busca”.
Toquinho nunca precisava buscar a bola. Não era do tipo de jogador que batia a bola pela lateral com força suficiente para mandar por cima de um muro. Era do tipo de jogador que dominava com carinho, que batia com maestria, era um craque, mas sabe como é, o futebol é tão imprevisível e às vezes até os craques precisam apelas. Não foi bem uma batida, foi uma dividida de bola e a “gorduchinha” voou mansamente sobre o muro e parou no pátio do vizinho.
Toquinho tentou argumentar que a bola bateu nele, e que no afinal não foi ele quem chutou, mas ninguém lhe deu muita conversa e então ele totalmente contrariado apoiou as duas mãos no muro e com a força dos braços finos puxou o corpo magrelo por sobre o muro e saltou do outro lado.
Nunca tinha estado ali. Mesmo quando a casa não tinha moradores. Caiu no que parecia ser o jardim. Uma grama bem verde e muito bem aparada. Várias árvores de porte pequeno. Alguns pés de Jabuticaba e outras arvorezinhas que serviam apenas ornamentar o lugar. Naquele pátio limpo e bem cuidado não foi difícil encontrar a bola.
Ela branca como a neve estava lindamente posicionada sobre a grama. Toquinho correu para ela, se abaixou, e a pegou e quando levantou para a ir embora olhou para a casa a pouco mais de cinco metros a sua frente. Uma grande janela ficava para os fundos da casa e pela janela ele a viu.
Ela, morena, com um corpo brilhantemente esculpido. Não devia ter mais que trinta anos. Estava enrolada em uma toalha branca que cobria seu busto e deixava parte das coxas à mostra. Ele congelou. Ficou ali olhando para aquela imagem no outro lado da janela. De repente do nada, ela deixou a toalha deslizar mansamente pelo seu corpo e cair no chão. O coração de Toquinho parecia que iria saltar pela boca. Ele com a bola firme contra o peito ficou ali, estagnado, apenas olhando-a, admirando-a, enfeitiçado.
Em um rápido movimento ela virou-se para ele. Ele pensou em sair correndo, mas suas pernas não obedeceram a seus pensamentos. Ela deu dois passos em direção da janela e mais do que nunca deixou toda a sua nudez a mostra. Olhou fixamente para ele, deu um leve sorriso e piscou. Ele seguia paralisado. Ela fechou a cortina. Ele esfregou os olhos e recuperou-se do seu período de transe. Saiu correndo, jogou a bola por sobre o muro e saltou logo atrás, ouvindo o resmungo dos companheiros que o questionavam sobre o porque de tanta demora.
Daquele dia em diante as coisas mudaram. Toquinho perdeu todo o seu brilho no velho esporte bretão. Logo o meia habilidoso que somente batia na bola com o lado do pé e com um demasiado jeito de quem tinha um carinho enorme pela bichinha, passou a bater como um zagueiro de várzea desesperado. Ele se transferiu para a defesa e então era sempre bola pro mato que era final de campeonato, ou melhor bola para o quintal do vizinho. Ele nunca mais foi escolhido primeiro. Nunca mais ouve briga para ver quem ficava com o Toquinho no time, mas mesmo assim ele jogava sorrindo, alegre, como alguém que viu um passarinho verde.