Os freelancers [conto]
O cara usava um terno azul, com gravata vermelha, mocassins e gel no cabelo, como se fosse o próprio Vincent Vega. As diferenças iam do Chevette velho que ele dirigia até o fato que ele não estava num estúdio em Los Angeles, além de que o que tocava no rádio era Thiaguinho e não Kool & the Gang. O Chevy encostou no meio-fio e um tipo carcamano do Scorcese, italiano, gordo e vestindo camisa florida, entrou e sentou no banco do passageiro. “Que merda é essa que você está usando, cara?” “Chama estilo meu caro, estilo.” Os dois riram e o estiloso saiu sem fazer alarde pelo trânsito.
“Quem te disse que não existe PM nos Estados Unidos?” “Não é isso, lá não existe Polícia Militar.” “Como assim? Claro que tem polícia na rua. Eu vejo isso em vários programas na TV.” “Tem, mas eles são civis, não militares.” “E qual a diferença? É tudo polícia, porra.” “Tem muita diferença. No treinamento, na forma de agir, na burocracia do trabalho, em tudo.” “Esse treco que você tá vestindo tá afetando sua cabeça. O que você está falando não faz sentido.” “Cala a boca. Sabia que nos lugares mais seguros do mundo a polícia não usa armas?” “Então vamos para lá.”
Como se tivessem pulado da Tela Quente direto para a Sessão da Tarde, Debi & Lóide pararam numa lanchonete. Pediram café com pão na chapa e sentaram do lado do vidro que dava para o estacionamento. Enquanto comiam um tipo Clint Eastwood meio assustado sentou na mesma mesa. A garçonete se aproximou e o sujeito teve que fazer o pedido três vezes até que ela entendesse que ele queria só um café.
“São vinte mil.” “Certo.” “Você paga metade agora e metade depois.” “Tudo bem. E o que vocês vão fazer?” “Exatamente o que você está pagando.” “Mas como?” “Se quiser pode estar lá para ver.” “Não, não, não quero. Tudo bem.” “O dinheiro está aí com você?” “Está aqui.” “Não, não tira ele aqui. Vai até o banheiro e coloca o envelope atrás do lixo da segunda cabine.” “Quando vai ser?” “Eu te procuro para pegar a outra metade quando estiver tudo feito.”
A versão cagão do Clint levantou e foi até o banheiro, depois pagou a conta da mesa no balcão e saiu sem olhar para trás. Uns dois minutos depois o carcamano do Scorcese foi até o banheiro, deu uma cagada, pegou o envelope e voltou pro Chevette que emanava todo o romantismo de Zezé de Camargo e Luciano. Já no centro da cidade eles acolheram um Stallone depois de várias feijoadas e um monte de invernos.
“Então já está tudo certo?” “Mais ou menos. São dois caras, tá aqui as fotos deles.” “Isso escrito aqui atrás é o endereço da casa deles? Vão ser duas ações?” “Não. É o endereço de onde eles almoçam todo dia.” “E como vai ser? A gente espera eles saírem e resolve?” “Não sei, o que vocês acham aí na frente?” “Me parece mais fácil esperar eles saírem. No restaurante pode ter câmera.” “Bem pensado.” “A gente pode fazer assim: vai eu e ele e fica esperando os dois saírem do restaurante. Você fica com o carro parado na esquina detrás. Se eles tentarem correr você pega eles.” “Vamos fazer assim então.”
Com tudo arranjado os solucionadores de problemas seguiram até a frente do local escolhido para o abate para armar a tocaia. Como que numa cena perfeitamente dirigida por Kubrick, todos tiraram seus revólveres da cintura e checaram as balas. Depois colocaram na cintura de novo e olharam para a porta do restaurante como se estivessem pensando de que forma tudo aconteceria, onde poderia haver falhas e como reagir a qualquer tipo de eventualidade.
“Olha só, primeiro o jornal diz que comer alface evita o câncer, no outro dia você vai no supermercado e não tem mais alface, porque todo mundo quer comer alface e evitar o câncer.” “Tá, e daí?” “Do que esse cara está falando?” “E daí que podem ter envenenado o alface, pode ser uma jogada para subir o preço, entende?” “Cara, você está ficando louco.” “Estou escutando um monte de baboseiras desde de o café. Acho que este penteado afetou o cérebro dele.” “São vocês que são dois alienado.” “Calem a boca. Olhem lá, acho que são os caras ali, porra.”
Carcamano do Scorsese e Vincent Vega saíram cada um por um lado, atravessaram a rua em câmera lenta como uma tomada de Cães de Aluguel. Sacaram suas armas e começaram a atirar sem economizar na direção dos dois homens que estavam na frente do restaurante. Uns correram, outros se jogaram no chão, mas nenhum tiro errou os alvos. Toda área de strike virou uma peneira. Quando se colocaram de pé na frente dos corpos caídos nenhum dos dois tinha mais balas. Eles pegaram um punhado de munição do bolso e encheram os tambores. Depois deram um tiro de misericórdia na cabeça de cada um. Tudo a tempo do Stallone feijoada manobrar o Chevy e se posicionar exatamente onde a ação acontecia, já com a porta aberta. Vincent e Carcamano pularam para dentro e saíram pela rua sem chamar a atenção.