A BELA SERTANEJA

Ao som de João Mineiro e Marciano a bela Kátia apreciava a vista da escadaria do Borbão. Há dez anos chegara naquele recanto oriunda do interior em busca de novos desafios. Ela não possuia qualificação profissional, cursos ou habilidades culinárias. A bela sertaneja não tinha naquele momento dinheiro para aprender a cozinhar. Essa era uma habilidade que as moças do interior aprendiam desde criança. Mas Kátia gostava de lidar com a terra, e as plantações. "Ainda ontem chorei de saudade, relendo a carta...". A música tocava pela quinta vez. Um dos funcionários foi acionado por um cliente que já tinha reclamado sobre a repetição da música. Mas Kátia gostava da canção e não dava ouvidos a ninguém. No sítio do seu pai havia muitas fruteiras, lugares verdes e férteis. Mas naquele verão de 77 muitas coisas mudaram para os sitiantes. O pasto secou, a lavoura morreu e a pequena criação de galinhas foi extinta. Os momentos difíceis ainda estavam na retina da sertaneja. A jovem Kátia viu o pai chorando diante das plantações dizimadas. Os anos de seca provocaram um grande êxodo. Os agricultores procuravam uma nova "Cannã" para continuar as suas vidas. Os pensamentos da bela sertaneja foram interrompidos pela voz grossa do seu Euclides que disse: " - Kátia, e hoje?". A moça fez um sinal negativo com a cabeça e voltou as suas recordações. Ela lembrava o dia da partida em que muitas coisas ficaram para trás. O canário belga, o gato Simonaldo, e a cadela Drica morreram no sertão. Todos foram conpanheiros da filha única que agora relembrava dos bons momentos. O rio Lindoso secou e tornou-se um grande banco de areia. A música terminou, mas a sertaneja reiniciou-a novamente. Quando ela chegou na capital encontrou o taxista Manuel que mudou a sua vida. Ela recebeu o apoio dele desde a sua chegada, sem os pais assassinados na estrada, até a sua inesperada morte. Dez anos depois da sua chegada, a agora viúva sertaneja investira o dinheiro da venda do taxi em uma pequena padaria. O empreendimento fizera tanto sucesso que possibilitou a abertura de várias filiais em toda a cidade. A música parou mais uma vez e Kátia entrou para dar ordens para os seus funcionários. Naquele 24 de dezembro a padaria estava lotada de pedidos de bolos, tortas, pernis e perus. Os clientes lotavam, inclusive o seu Euclides, o estabelecimento. Afinal de contas, o Capitalismo é mais impaciente e não podia esperar pela décima execução daquela música muito antiga.

Levi Oliveira
Enviado por Levi Oliveira em 17/05/2017
Reeditado em 17/05/2017
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