A MAO DE PILÃO DE OURO
A MAO DE PILAO DE OURO
As crianças não se cansavam de admirar, curiosos, três velhos casarões abandonados que havia nas terras de Seu Dionon. Sempre que podiam se aproximava mas logo se afastavam amedrontados. Transcorria meados de um mil novecentos e cinquenta. Duas velhas e queridas professoras, Alina Alves e Zilda Lustosa escolheram um barracão velho nos fundos de um daqueles casarões, para dar aula as crianças das fazendas próximas. Era um enorme barracão com colunas de madeira no centro, antes utilizado para guardar feno, ferramentas e outros objetos de utilidade na terra. Bem ao fundo do quintal havia uma latrina mal cheirosa, que servia também como instrumento para punir aqueles alunos mais rebeldes trancafiando-os naquele ambiente escuro cheio de morcego e baratas. Todos tinham muito medo de sofrer tal castigo. Ninguém a utilizava, preferindo se afastar e fazer o que precisassem no meio do mato.
Todos conheciam as estórias de assombração que cercavam aqueles casarões. Sabiam que certo dia alguns boiadeiros: Pedro, Alencar e Tenório, que por ali passavam conduzindo boiada, para não ficarem ao relento invadiram um daqueles casarões para pernoitar. Qual foi, que pela madrugada abandonaram suas redes e saíram em disparada, deixando para trás as redes e até as botinas. Só não perderam a manada porque a mesma se encontrava no curral próximo do casarão.
Seu Firmino, cego e surdo, conhecido de todos na cidade de Belém de São Francisco, outro destemido vaqueiro, perdeu sua profissão e a oportunidade de enxergar o mundo como o vemos hoje, por conta de sua curiosidade. Ele resolveu e foi até o velho casarão ao qual todos diziam ouvir vozes e passos no seu interior. Pôs seu olho e ouvido em uma enorme fresta que havia na porta. Qual foi o seu susto, quando levou uma cusparada que lhe lavou ouvido e rosto, vindo a ficar cego e surdo no mesmo instante.
Naqueles tempos remotos não tendo bancos para guardar o seu dinheiro, os velhos coronéis enchiam baús com suas moedas de ouro e peças preciosas, e por receio de serem roubados enterravam em um lugar discreto e se demorava a mexer. As vezes até morriam e própria esposa ficava sem saber aonde o tal havia enterrado a fortuna. Dava de mão de algum serviçal e saía a procurar. Muitas vezes o segredo ficava a mercê de revelação por meio de sonhos. Foi o caso do coronel Né Alvaro. Sua botija nuca foi encontrada e até os dias hoje é procurada.
O preto Honorato, que trabalhou muitos anos para o coronel teve um sonho que o deixou com a pulga atrás da orelha. Não contou para ninguém para não quebrar o encanto. Todo dia ele ia até o cruzeiro velho e ali ficava até ouvir o choro dos nonatos que ali eram sepultados. Apesar do medo, resolveu tentar converter em realidade o que seu sonho lhe ordenara. Não podia deixar de seguir o ritual direitinho. Em noite de lua cheia,noite macabra propícia aos lobisomes e tudo quanto é coisa ruim. Devia comparecer sozinho ao local indicado, lá chegando devia tirar toda a roupa e ficar pelado, rezar todo o ¨ofício¨ e entre uma cavada e outra parar para cantar, ¨Salve O Rainha¨. Ouviu batidas na janela do casarão, passos agitados no interior e alguma conversa ininteligível. Passou sua mão pelo rosto e o suor escorria, como biqueira de casa velha em noite de tempestade. Cravou seu enchadeco no chão, e quando levantou o mesmo para repetir o feito, só o cabo veio o resto ficou enterrado no chão. Disse que quando ainda estava rezando o ofício notou aproximar-se quebrando tudo e rosnando como se fosse um cachorro. Bicho excomungado que ataca na escuridão. Olhos esbugalhados, nó na garganta, o ofício já não entoava mais e certamente não iria pagar pra ver.
Pos-se a correr pelado mesmo até chegar a casa do José de Sabino, velho tropeiro que morava próximo do Casarão. Tão assustado estava que nem se deu conta de que estava pelado. Foi quando Marta, a esposa de Sabino, adentrou com candeeiro a altura dos olhos, abaixando um pouco a luz, pércebendo aquele baita negão pelado gritou: __valha-me Deus, Padim Padre Cícero, estou perdida. Isto aqui, agora virou a porta dos infernos Sabino , o que é isso homem de Deus. Naquela escuridão, Sabino também ainda desconcertado nem se apercebeu de que o homem se encontrava nu.
O preto Honorato que ainda estava muito assustado, com os gritos da mulher deu no pé outra vez, indo parar a beira do rio próximo a ilha dos cajueiros em uma casinha casa de varas feita por pescadores. Ali deu de mão em algum trapo que os pescadores largam, e se enrolou diretinho, para poder se achegar às residências.
Todos os sustos, todos os medos sobrevivem, ainda assim as buscas pelo ouro das botijas continuavam. Passado um tempo, Delfonsinho cavando para armar mundéu próximo ao morro grande, em uma velha cerca de pedras construída pelos braços da escravidão, podia escutar os gemidos dos negros, o estalo dos açoites no ar. Encontrou enquanto cavava uma peça, muito bonita que por muitos anos foi utilizada como socador de tempero na cozinha daquele casarão. Ninguém ligava para tal peça apesar de ser diferente. Belo dia, a tal peça sumiu outra vez. Procura-se daqui pra acolá e nada de achá-la. Foi aí que o desconfiado Delfonsinho, teve um sonho de que a sua chance de ficar rico, pairava no encontro da ¨Mão de Farias¨, apelido dado aquele socador.
Estava encantado, o poder misterioso daquela peça reluzente deixava-o transtornado. Emanavam luzes coloridas, que conforme um leve toque e mudava o brilho cada vez mais intenso. Faltava muito pouco, ao entardecer o sol parecia querer se esconder mais depressa e os pardais já voavam para o frondoso pé de juazeiro na cabeceira do açude.
O rapaz não parava, revirou os silos, olhou no forno do fogão à lenha, na meia parede da casa de taipa. Foi até o curral desconfiou do ponto de soleira de prender animal fraco da seca e nada. Por fim havia uma pequena clareira aonde os caburéus fazem seus ninhos em buraco no chão e lá foi ele com o enxadeco e pôs-se cavar desmanchando toda ninhada dos caburéus. Exausto, aquietou-se por instantes e em seus pensamentos frios, lembrou-se de que ele mesmo havia escondido a peça debaixo da enorme pedra na cozinha de casa e que servia de pilão. Tendo o achado precioso em suas mãos, poliu-o com pó de louça deixando-o brilhosos como ouro que era. Nesse dia dormiu com ele sobre o peito.