Exame de esteira.
Acordou estressado, de mal humor e passou boa parte da manhã ranzinza com quase todos da casa, menos com a filha mais velha, ela não perdoava o pai, ela já estava cansada de tanto falar para ele ir ao médico e fazer um check up.
O clima não ajudava mais, no inverno a pressão era alta constantemente, mas nos dias quentes, a pressão arterial até que ia bem, mas agora está sempre alta. Uma comida um pouco mais temperada ou até mesmo uma cervejinha já bagunçava o vai-e-vem do sangue.
Argemiro, é daqueles homens das antigas, as opiniões dos amigos e suas convicções valem mais do que dez médicos juntos. O problema é que, água mole em pedra dura, tanto bate que um dia fura. As disritmias constantes, os sustos no meio da madrugada, já começavam a amolecer a cabeça dura de Argemiro.
-- Miolo mole quem tem são esses jovens de hoje. A minha geração sempre foi forte como um coco, aqui não! Aqui é pedreira. Falava Argemiro irritado com todos quando lhe recomendavam procurar o médico.
O que lhe irritava na verdade, era saber que estava perdendo a razão junto com todos, não sabia como ceder, sem perder a pose de durão, pois ninguém e nem os doutores, sabiam mais do que ele mesmo, assim continuava pensando.
Aos sábados à tarde ia no boteco jogar sinuca e tomar sua santa e sagrada cervejinha geladinha, de tira-gosto, torresminho com limão. Com seu temperamento forte e seus 102 quilos, girava em torno da mesa como um peão, não tinha dó dos companheiros, sempre vencia. Jogavam apostado.
Quando ganhava, bebia e comia torresmo sem limites, quando estava perdendo, parecia um tresloucado, mascava torresmos como se fossem chicletes. A jugular quase saltava do pescoço, suava as bicas.
Os colegas já começavam a lhe olhar meio atravessado, a cada dia ficava mais e mais evidente: Argemiro uma hora vai rodar, a vermelhidão do rosto, a respiração ofegante e a carótida cada dia mais visível. A apreensão entre os colegas só dissipava porque sempre no final da tarde ele vencia. Será? A suadeira diminuía e sua jugular arriava. Mas e se ele perder? A preocupação entre os amigos já era evidente.
A filha mais velha, com seus 45 anos de idade, era uma solteirona convicta. Gostava de ser cem por cento livre, cuidava da casa e dos pais com o maior prazer. Só tinha um defeitinho: perdia a paciência rápido demais, chegava a ser ridículo a transformação de Pandora.
Pandora não tinha os dois dentes da frente, era uma baita janela dentro de outra janela. Ninguém sabe exatamente como ela perdeu os dentes aos 39 anos de idade. Dizem as más línguas, que foi uma troca de sopapos entre ela e a vizinha que faz divisa com os fundos da casa, conhecida por Medusa a Louca. Os fatos mais próximos da história é o seguinte:
Num domingo à tarde, uma galinha de Pandora, saiu do galinheiro, pulou o cercado de taboca e botou um ovo do lado da casa de Medusa a Louca. Assim que a galinha cantou, Pandora saiu desembestada para o quintal, não viu a galinha no galinheiro, mas logo que a galinha cantou novamente, intuiu! A galinha havia fugido para a casa da vizinha, Medusa a Louca, não titubeou, pulou a cerca de taboca e seguiu as pressas para onde vinha o canto da galinha.
Mas quando lá chegou, já era tarde, a Louca da vizinha, já tinha a galinha debaixo do braço direito e o ovo em uma das mãos. Pandora voltou com a galinha, sem o ovo e sem dois dentes da frente, Medusa a Louca, ficou com o ovo, com o braço e o antebraço direito quebrado.
Até hoje as duas não se bicam, não confidenciam com ninguém sobre o entrevero que tiveram, cada uma segue a vida para lados totalmente opostos.
Numa segunda-feira, Argemiro, aborrecido como sempre, repassou na sua mente como foi a sinuca no último sábado e os olhares dos colegas, entre eles e para ele. Não afrontou outra vez o conhecimento dos médicos, se deu por vencido, decidiu procurar um cardiologista.
Pandora acompanhou o pai até o convênio, pegou a senha para ser atendida, número 57, no painel mostrava senha 17. Essa dedução lógica que haviam 40 pessoas para serem atendidos primeiro, fez Pandora abrir a boca. Fazia um biquinho, o suficiente para bufar pela banguela, a corrente de ar que passava pela fresta era tão rápida que se ouvia um assovio.
Duas horas se passaram e nada! O humor de Argemiro começava a dar sinais de rachaduras. Ele já começava a fazer coro com outros reclamantes sobre a demora.
Enfim, sua vez chegou, pegou a autorização e seguiu para o consultório médico. No consultório médico, Pandora, expelia ar quente pela banguela em dobro, conversou com a atendente, marcaram a consulta para o dia seguinte, com a doutora Éola Abrolhos, cardiologista. A atendente, senhora Marilclânia, orientou o senhor Argemiro a comparecer de short e camiseta, pois já faria o exame de esteira e de Ecodopplecardiograma logo após a consulta.
À noite, Argemiro foi até o boteco, crível que pareça, os colegas de sinuca, também estavam lá. Argemiro se juntou a eles, pediu um copo e uma cervejinha, já tinha torresmo suficiente na mesa, como todos se olhavam, mas não diziam nada. Argemiro rompeu o silêncio com a novidade, no início começou tartamudeando, mas firmou o taco e falou com autoridade:
-- Amanhã à tarde vou fazer um exame de som no peito e outro de correr num aparei que não lembro o nome agora. Numa talagada Argemiro tomou um copo de cerveja e mordeu na metade de um pedaço de torresmo bem gorduroso.
Cadmo olhou para Teseu e fumegou uma aposta:
-- Teseu, eu aposto com você, o Argemiro não aguenta dois minutos na esteira. Quando a esteira inclinar ele vai cair de costas! Quer apostar o que? Falou Cadmo.
Adônis queria apostar também, mas queria que Aristeu também topasse.
-- Vamos fazer um bolão, assim todos participam, propôs Adônis.
Argemiro lembrou de Sartre, O Ser e o Nada, passou a ser um mero espectador invisível na mesa, digamos, uma aberração do universo. Um ser que bebia e comia, mas não era percebido ou notado pelos demais, um vazio digerindo coisas numa mesa!
O bolão ficou assim: Adônis apostou em três minutos, mas ele não ia cair. Teseu apostou três minutos e o joelhinho de Argemiro iria pipocar. Cadmo foi o mais cruel: apostou que Argemiro cairia de boca na esteira com dois minutos, na hora que a esteira inclinar, ele vai como uma criança gorda! Aristeu apostou que Argemiro nem iria fazer o exame.
A amizade era de longa data e eram muito unidos. Argemiro relevou, e apostou também, apostou cinco minutos sem cair dando um murro na mesa chamando os amigos de abestalhados com aquela palhaçada. As gargalhadas foram estrondosas, inclusive a dele. A aposta era meia dúzia de Brahma, torresmo à vontade mais dez fichas de sinuca.
Uma e meia da tarde, Argemiro chegou na clínica. As duas horas da tarde ele foi chamado pela doutora Éola Abrolhos, já na entrada. Argemiro fez um raio X da doutora, cabelo que descia um pouco abaixo dos ombros, uns dois dedos no máximo, de tanto tingir o cabelo de louro agora estava mais para bazé embaçado.
O sapato branco e bico fino, parecia ser uns cinco números acima do dela, lembrou o sapato da maga patológica. Mas era o jaleco da doutora que incomodava Argemiro. Havia algo de estranho no jaleco, algo não batia, estava limpo, mas não estava ao mesmo tempo. Não era curto nem longo demais.
Desistiu, aceitou o jaleco da doutora, mas tinha uma certeza! O jaleco além de esquisito, não era dela, talvez estava encardido mesmo.
-- Senhor Argemiro, tira a camisa e sente-se na cadeira por favor.
Obedeceu cegamente a doutora com seu jaleco esquisito. Observou que ela lhe examinava com o celular no WhatsApp. De vez enquanto um repicado de um pandeiro anunciava a chegada de uma nova mensagem.
Seu celular era um iphone 5. O vidro da tela tinha um rachadão na tela de descanso, a imagem de uma santa e a capinha era de cor rosa, mas estava bem surrada, o aparelho merecia uma nova.
Doutora muito cheirosa! Rodopiava com seu estetoscópio Littmann Classic II várias vezes em torno de Argemiro. Mas no terceiro repicado do whatsapp, a doutora correu até a mesa, conferiu as mensagens e retornou a examinar o paciente.
-- O senhor fuma?
-- Sim.
-- Bebi bebida alcoólica?
-- Sim senhora, todos os dias bebo uma cerveja, no sábado umas dez, se eu estiver ganhando na sinuca bebo mais!
-- O senhor pratica alguma atividade física?
-- Não. Sim. Sinuca!
-- Atualmente, quanto o senhor pesa?
-- Olha! Eu passei numa farmácia no trajeto para cá, a balança registrou 110, mas acho que tenho no máximo 103, aquela balança deve está quebrada. Sou capaz de apostar!
-- Por favor, senhor Argemiro, está vendo aquela balança ali no canto? suba nela por favor, vou conferir seu peso e sua altura.
-- O senhor pode descer e voltar para a cadeira agora.
-- Senhor Argemiro, o senhor está pesando 112 quilos e com 1.65 de altura! No ritmo que o senhor está da sua saúde, o senhor vai morrer logo logo viu! Senão sofrer um AVC e ficar com sequelas para o resto da vida!
O jaleco esquisito, o sapato da maga patológica, o cabelo bazé, aquela sentença de morte e ela atendendo o zap zap toda hora, começou inflamar Argemiro! Quando a doutora perguntou se ele tinha uma vida sexual normal com a parceira, aí ele bodou!
-- Doutora!... Eu faço sempre, ... sempre que necessário, e se for necessário fazer todos os dias eu faço.... Mais alguma dúvida?
-- Não!... Nenhuma. Vamos para a sala ao lado fazer o exame de esteira, por favor.
A doutora falou olhando para o zap zap, segurava um risinho cínico, e Argemiro ficou confuso: era por causa de alguma mensagem ou porque eles estavam a caminho do exame de esteira e ela iria se divertir com seu condicionamento físico?
O joelho direito de Argemiro não tinha o menisco medial e nem o lateral. O ligamento colateral lateral, o ligamento cruzado posterior e o cruzado anterior já haviam passado por cirurgias de reconstituição, ou seja, o joelho direito dele estava literalmente uma bagaça.
-- Senhor Argemiro! Para fazer o exame de esteira o senhor precisa estar a três dias sem beber bebida alcoólica ou estimulante, o senhor bebeu nos últimos três dias?
Argemiro pensou cá com seus botões, e chegou rapidamente a uma conclusão óbvia! Essa doutora não presta atenção no que pergunta e no que o paciente responde! Eu falei que bebo todos os dias! Contendo a indignação e o ódio que já começava a precipitar.
-- Não Doutora!... Estou há uma semana sem beber e sem fumar!
-- Nossa! Que bom senhor Argemiro, aproveite e pare de fumar! Olha preciso passar a máquina para aparar o cabelo para colocar os sensores no senhor, tudo bem?
Argemiro concordou apenas movimentando a cabeça cinco vezes para baixo e para cima. A doutora arrancou tufos de cabelos do peito de Argemiro. Tudo pronto, ele subiu na esteira, a doutora ficava de olho no zap zap o tempo todo. Argemiro não aguentou, começou a ler as mensagens sem a doutora de jaleco esquisito perceber.
Três minutos se passaram e ele correndo, a esteira começou a inclinar, e a doutora começou com seu risinho cínico e debochado, quando ele viu as seguintes mensagens:
-- Você não vai acreditar, tenho um gordinho aqui de dar dó. kkkkkkk
-- Mesmo? Por que?
-- Ele está quase morrendo, mas para se passar por machão está se fudendo aqui na rampa. Kkkkkkk kkkkkkk.
-- Aí! Como ele é ?kkkkkkk kkkkkkk.
-- Invocado, baixinho. O cara é uma figura. Peludão! Parece o lobisomem, kkkkkkkkkkkkkkkkkk.
-- kkkkkkkkkkkkkkkkkk e a bundinha dele, é bonitinha? Kkkkkkkkkkkkk.
-- Kkkkkkkkkkkkkkkk há uns quarenta anos atrás talvez, mas agora parece um balão esvaziando. Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk.
-- kkkkkkkkkkkk e a carinha dele, é fofinho? Hehehehehehehehehhe.
-- Parece um dinossauro! Kkkkkkkkkkkkkkkkk e disse que transa com a esposa todos os dias kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk , pode?
Argemiro lia tudo, e ficou estupefato com a falta de profissionalismo da médica, com o desleixo com o paciente, com o dinheiro fácil que estava ganhando naquela hora. Achava o comportamento da médica uma afronta, um tapa na sua cara. Ficar expondo os pacientes para suas amiguinhas no zap zap! Putakipariu aí é foda!
Naquele momento, Argemiro tomou uma decisão: desligou a esteira, bateu a mão num botão vermelho no painel da máquina, tratou a doutora pelo segundo nome:
-- Preste atenção Abrolhos, eu não preciso me submeter às suas piadinhas, sua inconsequente e irresponsável. Você está sendo paga para fazer exames e não para expor os pacientes às suas estupidezes e palhaçadas! Pegue seu celular e guarde o naquele lugar que não bate sol! Morra demônia!
Argemiro saiu da esteira, vestiu a camiseta cavada do flamengo e foi direto para o boteco. Chegando lá, por volta das cinco horas da tarde, pediu uma cerveja e uma porção de torresmo. Por volta das seis, seus amigos foram chegando. Quando todos estavam reunidos, Argemiro falou:
-- Moçada!... É o seguinte: não vou contar o que aconteceu, foda-se! Hoje quem paga sou eu, comam, bebam e joguem o quanto quiserem, pois vou dar um tempo com a cachaça e com a sinuca.
Ninguém perguntou nada sobre o exame na esteira. Beberam, comeram e jogaram até as quatro horas da manhã. Teseu foi embora chorando, Cadmo deitou no passeio em frente o bar, não se aguentava, estava beeebin bebin. Adônis e Aristeu saíram abraçados, fazendo juras que seriam amigos até o fim da eternidade.
Argemiro quando chegou em casa, não deitou nem tomou banho, pesquisou na internet todos os tipos de regime. Por volta das quatro horas da tarde, já tinha conhecimento suficiente para resolver a questão da obesidade.
Vinte meses depois, Argemiro pesava o peso que idealizou, 52 quilos, infelizmente seus amigos pesavam acima dos 100 quilos. É a vida né! Fazer o quê ? Vivemos nossas escolhas!
O clima não ajudava mais, no inverno a pressão era alta constantemente, mas nos dias quentes, a pressão arterial até que ia bem, mas agora está sempre alta. Uma comida um pouco mais temperada ou até mesmo uma cervejinha já bagunçava o vai-e-vem do sangue.
Argemiro, é daqueles homens das antigas, as opiniões dos amigos e suas convicções valem mais do que dez médicos juntos. O problema é que, água mole em pedra dura, tanto bate que um dia fura. As disritmias constantes, os sustos no meio da madrugada, já começavam a amolecer a cabeça dura de Argemiro.
-- Miolo mole quem tem são esses jovens de hoje. A minha geração sempre foi forte como um coco, aqui não! Aqui é pedreira. Falava Argemiro irritado com todos quando lhe recomendavam procurar o médico.
O que lhe irritava na verdade, era saber que estava perdendo a razão junto com todos, não sabia como ceder, sem perder a pose de durão, pois ninguém e nem os doutores, sabiam mais do que ele mesmo, assim continuava pensando.
Aos sábados à tarde ia no boteco jogar sinuca e tomar sua santa e sagrada cervejinha geladinha, de tira-gosto, torresminho com limão. Com seu temperamento forte e seus 102 quilos, girava em torno da mesa como um peão, não tinha dó dos companheiros, sempre vencia. Jogavam apostado.
Quando ganhava, bebia e comia torresmo sem limites, quando estava perdendo, parecia um tresloucado, mascava torresmos como se fossem chicletes. A jugular quase saltava do pescoço, suava as bicas.
Os colegas já começavam a lhe olhar meio atravessado, a cada dia ficava mais e mais evidente: Argemiro uma hora vai rodar, a vermelhidão do rosto, a respiração ofegante e a carótida cada dia mais visível. A apreensão entre os colegas só dissipava porque sempre no final da tarde ele vencia. Será? A suadeira diminuía e sua jugular arriava. Mas e se ele perder? A preocupação entre os amigos já era evidente.
A filha mais velha, com seus 45 anos de idade, era uma solteirona convicta. Gostava de ser cem por cento livre, cuidava da casa e dos pais com o maior prazer. Só tinha um defeitinho: perdia a paciência rápido demais, chegava a ser ridículo a transformação de Pandora.
Pandora não tinha os dois dentes da frente, era uma baita janela dentro de outra janela. Ninguém sabe exatamente como ela perdeu os dentes aos 39 anos de idade. Dizem as más línguas, que foi uma troca de sopapos entre ela e a vizinha que faz divisa com os fundos da casa, conhecida por Medusa a Louca. Os fatos mais próximos da história é o seguinte:
Num domingo à tarde, uma galinha de Pandora, saiu do galinheiro, pulou o cercado de taboca e botou um ovo do lado da casa de Medusa a Louca. Assim que a galinha cantou, Pandora saiu desembestada para o quintal, não viu a galinha no galinheiro, mas logo que a galinha cantou novamente, intuiu! A galinha havia fugido para a casa da vizinha, Medusa a Louca, não titubeou, pulou a cerca de taboca e seguiu as pressas para onde vinha o canto da galinha.
Mas quando lá chegou, já era tarde, a Louca da vizinha, já tinha a galinha debaixo do braço direito e o ovo em uma das mãos. Pandora voltou com a galinha, sem o ovo e sem dois dentes da frente, Medusa a Louca, ficou com o ovo, com o braço e o antebraço direito quebrado.
Até hoje as duas não se bicam, não confidenciam com ninguém sobre o entrevero que tiveram, cada uma segue a vida para lados totalmente opostos.
Numa segunda-feira, Argemiro, aborrecido como sempre, repassou na sua mente como foi a sinuca no último sábado e os olhares dos colegas, entre eles e para ele. Não afrontou outra vez o conhecimento dos médicos, se deu por vencido, decidiu procurar um cardiologista.
Pandora acompanhou o pai até o convênio, pegou a senha para ser atendida, número 57, no painel mostrava senha 17. Essa dedução lógica que haviam 40 pessoas para serem atendidos primeiro, fez Pandora abrir a boca. Fazia um biquinho, o suficiente para bufar pela banguela, a corrente de ar que passava pela fresta era tão rápida que se ouvia um assovio.
Duas horas se passaram e nada! O humor de Argemiro começava a dar sinais de rachaduras. Ele já começava a fazer coro com outros reclamantes sobre a demora.
Enfim, sua vez chegou, pegou a autorização e seguiu para o consultório médico. No consultório médico, Pandora, expelia ar quente pela banguela em dobro, conversou com a atendente, marcaram a consulta para o dia seguinte, com a doutora Éola Abrolhos, cardiologista. A atendente, senhora Marilclânia, orientou o senhor Argemiro a comparecer de short e camiseta, pois já faria o exame de esteira e de Ecodopplecardiograma logo após a consulta.
À noite, Argemiro foi até o boteco, crível que pareça, os colegas de sinuca, também estavam lá. Argemiro se juntou a eles, pediu um copo e uma cervejinha, já tinha torresmo suficiente na mesa, como todos se olhavam, mas não diziam nada. Argemiro rompeu o silêncio com a novidade, no início começou tartamudeando, mas firmou o taco e falou com autoridade:
-- Amanhã à tarde vou fazer um exame de som no peito e outro de correr num aparei que não lembro o nome agora. Numa talagada Argemiro tomou um copo de cerveja e mordeu na metade de um pedaço de torresmo bem gorduroso.
Cadmo olhou para Teseu e fumegou uma aposta:
-- Teseu, eu aposto com você, o Argemiro não aguenta dois minutos na esteira. Quando a esteira inclinar ele vai cair de costas! Quer apostar o que? Falou Cadmo.
Adônis queria apostar também, mas queria que Aristeu também topasse.
-- Vamos fazer um bolão, assim todos participam, propôs Adônis.
Argemiro lembrou de Sartre, O Ser e o Nada, passou a ser um mero espectador invisível na mesa, digamos, uma aberração do universo. Um ser que bebia e comia, mas não era percebido ou notado pelos demais, um vazio digerindo coisas numa mesa!
O bolão ficou assim: Adônis apostou em três minutos, mas ele não ia cair. Teseu apostou três minutos e o joelhinho de Argemiro iria pipocar. Cadmo foi o mais cruel: apostou que Argemiro cairia de boca na esteira com dois minutos, na hora que a esteira inclinar, ele vai como uma criança gorda! Aristeu apostou que Argemiro nem iria fazer o exame.
A amizade era de longa data e eram muito unidos. Argemiro relevou, e apostou também, apostou cinco minutos sem cair dando um murro na mesa chamando os amigos de abestalhados com aquela palhaçada. As gargalhadas foram estrondosas, inclusive a dele. A aposta era meia dúzia de Brahma, torresmo à vontade mais dez fichas de sinuca.
Uma e meia da tarde, Argemiro chegou na clínica. As duas horas da tarde ele foi chamado pela doutora Éola Abrolhos, já na entrada. Argemiro fez um raio X da doutora, cabelo que descia um pouco abaixo dos ombros, uns dois dedos no máximo, de tanto tingir o cabelo de louro agora estava mais para bazé embaçado.
O sapato branco e bico fino, parecia ser uns cinco números acima do dela, lembrou o sapato da maga patológica. Mas era o jaleco da doutora que incomodava Argemiro. Havia algo de estranho no jaleco, algo não batia, estava limpo, mas não estava ao mesmo tempo. Não era curto nem longo demais.
Desistiu, aceitou o jaleco da doutora, mas tinha uma certeza! O jaleco além de esquisito, não era dela, talvez estava encardido mesmo.
-- Senhor Argemiro, tira a camisa e sente-se na cadeira por favor.
Obedeceu cegamente a doutora com seu jaleco esquisito. Observou que ela lhe examinava com o celular no WhatsApp. De vez enquanto um repicado de um pandeiro anunciava a chegada de uma nova mensagem.
Seu celular era um iphone 5. O vidro da tela tinha um rachadão na tela de descanso, a imagem de uma santa e a capinha era de cor rosa, mas estava bem surrada, o aparelho merecia uma nova.
Doutora muito cheirosa! Rodopiava com seu estetoscópio Littmann Classic II várias vezes em torno de Argemiro. Mas no terceiro repicado do whatsapp, a doutora correu até a mesa, conferiu as mensagens e retornou a examinar o paciente.
-- O senhor fuma?
-- Sim.
-- Bebi bebida alcoólica?
-- Sim senhora, todos os dias bebo uma cerveja, no sábado umas dez, se eu estiver ganhando na sinuca bebo mais!
-- O senhor pratica alguma atividade física?
-- Não. Sim. Sinuca!
-- Atualmente, quanto o senhor pesa?
-- Olha! Eu passei numa farmácia no trajeto para cá, a balança registrou 110, mas acho que tenho no máximo 103, aquela balança deve está quebrada. Sou capaz de apostar!
-- Por favor, senhor Argemiro, está vendo aquela balança ali no canto? suba nela por favor, vou conferir seu peso e sua altura.
-- O senhor pode descer e voltar para a cadeira agora.
-- Senhor Argemiro, o senhor está pesando 112 quilos e com 1.65 de altura! No ritmo que o senhor está da sua saúde, o senhor vai morrer logo logo viu! Senão sofrer um AVC e ficar com sequelas para o resto da vida!
O jaleco esquisito, o sapato da maga patológica, o cabelo bazé, aquela sentença de morte e ela atendendo o zap zap toda hora, começou inflamar Argemiro! Quando a doutora perguntou se ele tinha uma vida sexual normal com a parceira, aí ele bodou!
-- Doutora!... Eu faço sempre, ... sempre que necessário, e se for necessário fazer todos os dias eu faço.... Mais alguma dúvida?
-- Não!... Nenhuma. Vamos para a sala ao lado fazer o exame de esteira, por favor.
A doutora falou olhando para o zap zap, segurava um risinho cínico, e Argemiro ficou confuso: era por causa de alguma mensagem ou porque eles estavam a caminho do exame de esteira e ela iria se divertir com seu condicionamento físico?
O joelho direito de Argemiro não tinha o menisco medial e nem o lateral. O ligamento colateral lateral, o ligamento cruzado posterior e o cruzado anterior já haviam passado por cirurgias de reconstituição, ou seja, o joelho direito dele estava literalmente uma bagaça.
-- Senhor Argemiro! Para fazer o exame de esteira o senhor precisa estar a três dias sem beber bebida alcoólica ou estimulante, o senhor bebeu nos últimos três dias?
Argemiro pensou cá com seus botões, e chegou rapidamente a uma conclusão óbvia! Essa doutora não presta atenção no que pergunta e no que o paciente responde! Eu falei que bebo todos os dias! Contendo a indignação e o ódio que já começava a precipitar.
-- Não Doutora!... Estou há uma semana sem beber e sem fumar!
-- Nossa! Que bom senhor Argemiro, aproveite e pare de fumar! Olha preciso passar a máquina para aparar o cabelo para colocar os sensores no senhor, tudo bem?
Argemiro concordou apenas movimentando a cabeça cinco vezes para baixo e para cima. A doutora arrancou tufos de cabelos do peito de Argemiro. Tudo pronto, ele subiu na esteira, a doutora ficava de olho no zap zap o tempo todo. Argemiro não aguentou, começou a ler as mensagens sem a doutora de jaleco esquisito perceber.
Três minutos se passaram e ele correndo, a esteira começou a inclinar, e a doutora começou com seu risinho cínico e debochado, quando ele viu as seguintes mensagens:
-- Você não vai acreditar, tenho um gordinho aqui de dar dó. kkkkkkk
-- Mesmo? Por que?
-- Ele está quase morrendo, mas para se passar por machão está se fudendo aqui na rampa. Kkkkkkk kkkkkkk.
-- Aí! Como ele é ?kkkkkkk kkkkkkk.
-- Invocado, baixinho. O cara é uma figura. Peludão! Parece o lobisomem, kkkkkkkkkkkkkkkkkk.
-- kkkkkkkkkkkkkkkkkk e a bundinha dele, é bonitinha? Kkkkkkkkkkkkk.
-- Kkkkkkkkkkkkkkkk há uns quarenta anos atrás talvez, mas agora parece um balão esvaziando. Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk.
-- kkkkkkkkkkkk e a carinha dele, é fofinho? Hehehehehehehehehhe.
-- Parece um dinossauro! Kkkkkkkkkkkkkkkkk e disse que transa com a esposa todos os dias kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk , pode?
Argemiro lia tudo, e ficou estupefato com a falta de profissionalismo da médica, com o desleixo com o paciente, com o dinheiro fácil que estava ganhando naquela hora. Achava o comportamento da médica uma afronta, um tapa na sua cara. Ficar expondo os pacientes para suas amiguinhas no zap zap! Putakipariu aí é foda!
Naquele momento, Argemiro tomou uma decisão: desligou a esteira, bateu a mão num botão vermelho no painel da máquina, tratou a doutora pelo segundo nome:
-- Preste atenção Abrolhos, eu não preciso me submeter às suas piadinhas, sua inconsequente e irresponsável. Você está sendo paga para fazer exames e não para expor os pacientes às suas estupidezes e palhaçadas! Pegue seu celular e guarde o naquele lugar que não bate sol! Morra demônia!
Argemiro saiu da esteira, vestiu a camiseta cavada do flamengo e foi direto para o boteco. Chegando lá, por volta das cinco horas da tarde, pediu uma cerveja e uma porção de torresmo. Por volta das seis, seus amigos foram chegando. Quando todos estavam reunidos, Argemiro falou:
-- Moçada!... É o seguinte: não vou contar o que aconteceu, foda-se! Hoje quem paga sou eu, comam, bebam e joguem o quanto quiserem, pois vou dar um tempo com a cachaça e com a sinuca.
Ninguém perguntou nada sobre o exame na esteira. Beberam, comeram e jogaram até as quatro horas da manhã. Teseu foi embora chorando, Cadmo deitou no passeio em frente o bar, não se aguentava, estava beeebin bebin. Adônis e Aristeu saíram abraçados, fazendo juras que seriam amigos até o fim da eternidade.
Argemiro quando chegou em casa, não deitou nem tomou banho, pesquisou na internet todos os tipos de regime. Por volta das quatro horas da tarde, já tinha conhecimento suficiente para resolver a questão da obesidade.
Vinte meses depois, Argemiro pesava o peso que idealizou, 52 quilos, infelizmente seus amigos pesavam acima dos 100 quilos. É a vida né! Fazer o quê ? Vivemos nossas escolhas!