Sobre pobreza e riqueza

_Pode passar por aqui mesmo!

A velhinha gritou lá de baixo com o máximo de voz que sua idade permitia. Com a mão ela apontava a trilha que devíamos seguir para chegarmos até a tal cachoeira passando pelo seu quintal.

Era uma velhinha simpática, acusando pelos cabelos brancos, a bengala, a postura curva e as rugas do rosto, algo próximo aos oitenta anos. Uma camisa desbotada do Cruzeiro, um saião branco e um lenço surrado na cabeça. Estendeu-me a mão de pele negra surrada pelo os janeiros e pronunciou num quase sussurro, que não sei se de acanhamento ou por conta da idade:

_”Cê” pode me dá um trocado pra “mode” eu comprar uma “guidura?”

Abri um sorriso de canto de boca com a simplicidade da frase. Peguei a carteira e não tenho vergonha em dizer que tirei a menor das notas que eu tinha, da mesma maneira que provavelmente você leitor também o faria. Ela recolheu a nota, agradeceu e abençoou nossa caminhada. “Cês vai cum Deusu”.

Poucos metros de descida e chegamos. Uma cachoeira maravilhosa. Uma queda d’água de encher os olhos.

Foram bons momentos vividos lá. Instantes que sem dúvidas queríamos que durassem um pouco mais.

Mas enfim chegou a hora de zarpar. Com a alma lavada de cachoeira, pegamos novamente a trilha do quintal da velhota, mas já não a vimos mais. Passando em frente àquela casinha simples, de telhas velhas, janelas e portas de madeira apodrecendo, galinhas soltas no terreiro, passarinhos pra tudo que é lado cantando livres, plantas lindas e bem cultivadas e um verde de sumir de vista, a reflexão foi inevitável.

Partimos de terras distantes, gastamos um maço considerável de dinheiro com gasolina, comida, água, hospedagem e outras coisas mais. Gastamos na tentativa de comprar um pouco de paz naquele verde e naquelas águas frias. Gastamos para molhar o corpo na cachoeira que passa no quintal de uma velha senhora que precisa pedir dinheiro pra comprar gordura. Ela tem um paraíso ao redor de si, mas lhe faltam coisas básicas.

Não entendo mais nada sobre pobreza e riqueza. Tudo por culpa daquela milionária miserável velhota.

Paulinho Souza
Enviado por Paulinho Souza em 07/05/2017
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