A benzedeira, a reza e a benzida

A benzedeira, a reza e a benzida.

_ Hoje pode ter reza D. Valdete? - A pergunta apareceu no meio de uma conversa banal. Seus grandes olhos verdes olharam para ela como duas interrogações. _ A senhora reza qualquer dia? Perguntou ela novamente com um fio de ansiedade na voz.

_ Ah minha fia... Penso assim: reza é todo dia. Vai da necessidade que quem tá precisando.

_ Eu quero - ela disse sem indecisão. _ Sinto um peso nas costas, coisas que não passam e ansiedade demais. Quero me sentir abençoada. - Ela realmente tinha um apreço indescritível pela senhora benzedeira, já detentora de seus oitenta e tantos anos, visivelmente vaidosa e de uma beleza cabocla impressionante. O que mais lhe chamava a atenção era o poder dos olhos de um verde claro sempre muito bem abertos e interrogativos. Inegavelmente tinha um olhar forte, quase assustador, mas que misteriosamente transparecia uma docilidade impressionante. Desde que a conhecera havia se impressionado com ela. Uma senhora de cor e olhos marcantes, voz forte e ruidosa, mãos grandes que lembraram as da sua avó Antônia, a parteira. A lembrança fina de sua avó rabugenta e fechada, a fez lembrar que a figura de avó nunca foi muito feliz em sua vida.

Talvez essa falta do amor de avó, a tomasse por simpatia a senhora forte.

_ Rezo sim. Benzo sim minha fia. - Nesse momento seu coração ficou feliz e confortável. _Pode ser qualquer hora. Seu sorriso alegre foi ainda mais caloroso. E logo após um tempo antes do almoço escolhendo três ramos de manjericão lhe explicava que só podiam ser três, cinco, sete. Sempre ímpar. A questão do não ser par ficou em mistério, tinha que ser impar. Três pelo menos. E foram cinco três: de manjericão e duas folhas compostas de madrelissa. - Vem pra cá. Vamos pra porta da rua, senta aqui de costas pra porta. - Ela obedeceu sem pestanejar a ordem imperiosa da benzedeira. Tirou a sandália, tocou todos os pés no chão frio, colocou as mãos com as palmas pra cima sobre as pernas. Respirou profundamente e fechou os olhos e ficou entregue as palavras quase em sussurro da senhora. Deixou-se levar respeitosamente pelo Pai nosso recitado e pelas passadas das ervas sobre sua cabeça e ombros. O perfume do manjericão começou a penetrar em seus sentidos levando-a um quase transe espiritual. A distância entre seus corpos era tão pequena que ela podia sentir o cheiro ocre de suas vestes e o calor de seu corpo. Ela poderia dizer que tudo se resumia a uma troca de energia dispensada entre duas pessoas que tinham propósitos diferentes. A necessidade de uma e a fé da outra as complementavam.

Continuou inerte, ereta e concentrada em receber a reza e as bênçãos que viriam de troco. Só conseguia pensar em sua Deusa, e no quanto àquela senhora lembrava o seu último aspecto: a da anciã. Mesmo que contraditório, a reza cristã iria lhe fazer um bem danado... E foi dito e certo: pela última passada dos ramos ao redor de seu corpo ela já se sentia bem melhor. Continuou sentada de olhos fechados enquanto as últimas palavras eram ditas. Mentalmente proferiu seu agradecimento também abençoando a reza e a benzedeira. Os ramos não estavam tão murchos. Era sempre assim, diferentemente de outras pessoas as ervas usadas com ela sempre continuavam sempre firmes e frescas. - Você vai ficar bem minha fia. -Ela disse sorrindo. _ Eu senti que você é bem protegida. Nada vai lhe fazer mal. Até tentam muito, mas você tem um guia espiritual muito forte, que cuida muito de bem de você.

- Eu sei. _ ela disse sorrindo. Abraçou a senhora benzedeira profundamente agradecida e mais leve.

Martha Lisboa 31/01/16

Lady Malibe