Prosas Metalúrgicas III: O Clube dos metalúrgicos...
""" ...Porque o bom Deus, às vezes, oh pecado!
Ele dá asas pra passarinho que nunca se encoraja a voar... """
Poetinha Armeniz Müller.
...O arrazoador poético.
Muito provavelmente o pilar central da comunicação dos autodenominados “orelhas-secas” - os eternamente conformados operários metalúrgicos do “chão-de-fábrica” -, a folclórica e pujante “Rádio Peão” (como todos eles, unanimemente e até sobre o cadáver dos próprios companheiros de labuta, não se cansam de afirmar)... Ao retransmitir indefinidamente o seu “noticiário” pelos quatro turnos de trabalho e até lá pelas cercanias administrativas e ou domiciliares,varando até mesmo as fronteiras internacionais, ela, isso é beeeem verdade, "quase" sempre um bom tanto aumenta naquilo que retransmite... Isso realmente é bem verdade, mas a Rádio-Peão nunca, nunca, isso nuuuuncaaaa e jamais inventou em tempo algum, qualquer boato ou boatinho que fosse!...
Isto exposto, justiça feita, podemos adentrar ao balneário, digo, ao vestiário do nosso clube interno, que metalúrgico que se preza é assim: Veste a camisa da empresa lá nas linhas de produção no transcorrer das longas e cansativas, mas admiravelmente produtivas jornadas de trabalho, sabendo que aqui no clube tem a mais democrática liberdade de vestir a camisa do seu time de coração – por mim todos envergariam a camisa do meu Paraná Clube, o tricolor da Vila Capanema. Mas como a perfeição não existe mesmo... Eu me conformo a ser quaaase minoria absoluta, nesse quesito da torcida desorganizada... Aliás, o que mais me derruba o queixo é saber que o nosso clube fabril oferece dezenas de opções para o entretenimento de toda a família, mas a maioria dos usuários metalúrgicos vêm sozinhos e cheios de amor para dar às “outras”... Que pena, isso.
- Robertinho! He, alemãozinho danado de bom, sô! Desce mais meia-dúzia dessas loirinhas geladas e gostosas, por obséquio... Tenha dó da gente que a semana foi puxada, companheiro! Ah, e pra tira-gosto mande aí também esse “chouriço de alemão”, que oceis chamam lá de salsichão, he, he, he!
Pelo tom grave do Zé Encrenca, podia-se deduzir que se tratava já da terceira ou quarta rodada de gostosas geladas...
Enquanto isso, a mesa ia sendo rodeada de “outras”, realmente uma mais assim que a outra... E sedentas de bebericar e de amor pra dar... Por certo sabedoras, as espertinhas, que ali a vida funcional fácil... Era realmente fácil.
Ali... Porque lá nos barracões vocês já sabem como a vida é. E ali não tem filhinho da mamãe, ou filhinha do papai, não. Todos suam a gandola de igual pra igual, na modorrenta e extenuante rotina de trabalho.
- Viche, é hoje que a cobrinha vai piar companheiros! Pra todos os efeitos legais e extraconjugais, tô fazendo hora-extra até lá pela meia-noite... Só não sei se é a meia-noite de hoje ou de amanhã... Que isso não depende só de mim, né, lindinha do papai?
- Ah, isso é verdade, seu “dog-esponja”! Concordou a beldade, se não me engano da linha em frente à nossa, lá no barracão... Que não me presto muito a essas escorregadelas, embora ali também estivesse quase todo final de semana.
Loirinhas pra cá, moreninhas de lá, e japinhas acolá, sem nunca esquecer as mais amorenadinhas e sapequinhas e casadoirinhas, a noite ia avançando... enquanto a turma do Carlão, devidamente "espetados", ou "espezinhados" pelo Zé Encrenca, atravessavam o salão seguidamente dali pro banheiro, e do banheiro pra ali, enquanto avançavam o sinal com as beldades e alimentavam os arquivos da Rádio-Peão fabril, para a semana seguinte.
Justiça seja-lhes feita!.. Aqueles bons sujeitos mereciam algumas horas de lazer, que me perdoem as suas companheiras conjugais. Poucos são os que realmente suportam o estresse constante numa linha de produção metalúrgica.
- He, poetinha! Cá pra nóis... Ocê hoje não tá feliz, tá? Cadê uma “encurvadinha” bem lindona procê, poetinha?... Vá, vá, vá que eu sei bem o quanto que ocê é chegado na frutinha, sô!
- É verdade, poetinha! O Zézão tem razão... Cadê a tua "encrenquinha" da noite, meu? Abra essa boca poética e se segure pra não cair, pois duvido que umas vinte gostosonas não pulem pra cima de ocê na mesma hora da declamação, poetinha...
- Não, não, obrigado, Carlão! Só mesmo as cervejotas e o tira-gosto me bastam por hoje, companheiro. Grato pela preocupação.
- Eta, que a estória das asas do passarinho é verdadeira neocê, poetinha. Ah, eu coessas asas que ocê não quer... Ah, eu! Não ia sobra muié pra contar defeito meu pra ninguém... Imagine se sobrava alguma que eu não papasse todinha. Imagine, poetinha.
- Não esquenta, companheiro. O meu foco é outro. Está tudo bem.
- Tá bom, tá bom, poetinha! Se o teu foco é outro, não sei e não tenho o direito de me intrometer... Só sei que o meu foco é 220 Watt e tá bem aceso, ah, isso tá! Tiro uma prova agorinha mesmo, veja só o potencial do teu chefe, veja!
- Gatinha manhooosa... Venha com o teu gatão, venha!
- Chiii, mas cadê o bigode e as garras afiadas do gatão, cadê? Tá feia a coisa, he, Carlão? Tomou todas e mais algumas, é?
- Tô só meio baleado, mas nada que possa atrapalhar um bom desenlace... Ocê me conhece bem, gatinha!
- Isso é beeem verdade. Mas se eu bem te conheço, você hoje já era, Carlão. Por “outro” lado, e o companheirinho das palavras bonitas, aí? E aí, poetinha, tudo azul nas rimas do Sul? Poetinha, poetinha, até que você não é mesmo de se jogar fora, guri! Olha, eu tenho que dar razão pra meninada lá dos outros barracões... Cadelinhas, vivem suspirando e se babando pelos corredores, ao lerem teus textos... É poetinha daqui, poetinha dali, sei não! Mas não é mesmo que ocê não é de se jogar fora, miaaauu!... Você vai ficar por aqui até o final, ou vamos sair logo?... O que você me diz, poetinha?
- Eu, eu... É que...
- Huuurrrrr... Não sei onde tô que não te esfolo vivo, poetinha. A muié arreia todinha procê e... nada? Diga se não tô coa razão sobre as asas dos passarinhos, então?... E eu aqui, na maior secura.
E assim... ...Com o bonachão chefe Carlão soltando fogo pelas ventas, e cerveja pela uretra, transcorria mais um sabadão de “horas-extras”... Numa inocente reunião de excelente relax físico e mental naquele limpo, arejado e bem frequentado ambiente social do nosso clube, que não ficava em nada a dever aos melhores clubes da cidade.
Pena o nosso Metal Clube não ser assim tão beeem aproveitado por TODOS, não é mesmo?...
...Mas que a "gatinha atirada" era pra lá de lindinha, e mais ainda gostosinha, nisso o Carlão tinha razão...
Heheaiaiaiaiaiiii...
Grato,
Armeniz,
o poetinha
feliz.
... Bem assim como carinhosamente os companheiros Boscheanos me batizaram, naqueles nossos tempos quaaaase dourados, tão bons, alegres e produtivos.