CHÁ DA MEIA NOITE
Uns dizem que foi a tuberculose que matou Ondina, a segunda filha da numerosa família do capitão Nazário e sua esposa, a dona Mocinha, mas outros acreditam que foi por causa do chá de espirradeira que ela tomou. O chá da meia noite...
Alguns internos diziam que, vez por outra, quando a noite ia alta e, presumivelmente todos estavam dormindo, a freira encarregada do turno da noite no Sanatório da Levada, chegava perto da cama daqueles internos que, pelo aspecto físico e pelo adiantado estado da doença, não tinham nenhuma esperança de cura, com a voz mansa num sussurro, estimulava o escolhido a tomar o chá mal cheiroso que ela trazia num caneco de alumínio e que depois disso, aquele paciente, via de regra, morria nessa mesma noite ou no dia seguinte.
As camas eram separadas umas das outras por cortinas de tecido grosso que ficavam corridas durante a noite e quando alguém falava que tinha visto vultos ou ouvido vozes perto do defunto, os funcionários diziam que a pessoa tinha sonhado porque ninguém estivera ali.
O sanatório foi instalado num sítio bem grande fora da cidade, com muitas árvores e jardins floridos em torno da construção antiga, suntuosa, de grossas paredes e portas altas, todas elas com grades de ferro na parte superior e as alas pontilhadas de janelas amplas que permaneciam abertas dia e noite e pelas quais os internos podiam ver a passagem dos dias através das grossas barras de ferro pintadas de verde escuro. Na alameda de entrada, entre o portão e a porta principal, touceiras e mais touceiras de espirradeiras, também conhecidas por oleandro, com suas flores vistosas de várias cores e folhas brilhantes.
Desde tempos imemoriais, sabe-se que essa planta é venenosa, abortiva e que interfere na frequência cardíaca.
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Todo mundo foi ver a Festa da Mocidade que se instalou no largo em frente à Faculdade de Direito no bairro da Boa Vista, mas os filhos do Capitão Nazário não tiveram autorização para ir até lá nem muito menos andar nos brinquedos nem participar das rodinhas de conversas com os jovens da maioria dos bairros do Recife que para lá se deslocavam desde as primeiras horas das tardes dos sábados e domingos, nos finais de semana daquele setembro ensolarado.
O carro de som passou avisando e Ondina, sabendo da novidade, não teve nem deixou ninguém mais ter sossego porque ela queria, a todo custo, ir para a festa. O irmão mais velho disse que não iria e que ela não contasse com a ajuda dele porque o pai já tinha dito que em festa de rua, aonde só tem gentinha, os filhos dele não poriam os pés, mas Ondina foi.
No sábado, logo depois do almoço, com o pretexto de ir à igreja, Ondina vestiu a melhor roupa que tinha e foi ver a festa. Sem prestar muita atenção por onde pisava e eufórica por estar no meio de tanta gente estranha, tropeçou no pedaço de madeira esquecido por algum ajudante descuidado e com a queda feriu o joelho.
Um desconhecido ajudou-a levantar-se e limpou o ferimento com o lenço que também serviu para conter o sangramento e se ofereceu para trazê-la de volta para a casa. Ondina não tinha como recusar, principalmente por ser um jovem lindo, com a voz grave, de suavidade estonteante, vestido com terno de linho branco com um cravo vermelho na lapela e gravata longa presa por broche dourado.
Antes mesmo de chegarem a casa ele já se declarara perdidamente apaixonado, que fora amor à primeira vista e que as musas da poesia tinham atendido aos seus rogos e que tinham se materializado nela e agora estava ao alcance dos seus braços.
Sim, ele era um poeta, estudante de Direito, filho de família abastada do interior do Estado e que viera para a capital para estudar, mas que deixaria tudo e todos para ficar junto à sua musa para sempre se assim fosse o desejo dela.
Entre afagos, já no fim da tarde, eles prometeram que na manhã daquele domingo estariam juntos outra vez e assim foi por várias semanas até que num dia Ondina soube que Fernando fora levado pela assistência por causa de várias hemoptises e nunca mais o viu.
Somente os poemas e as cartas de amor aliviavam a dor da separação.
Os primeiros sinais da tuberculose apareceram antes do final do ano. Febre intermitente, palidez, falta de apetite, tosse seca, fraquinha, mas constante e principalmente dificuldade para respirar.
Depois da primeira hemoptise, foi levada para o Sanatório da Levada e, naquela noite, insone, quando a ausência de Fernando era mais dolorida, viu a freirinha junto à sua cama, havia chegado a sua vez de tomar o chá da meia noite.
Espirradeira ou Oleandro = Nerium oleander