All Star #42 [conto]
Estava acontecendo alguma coisa que eu não sabia o que era. A Júlia, a Alina e a Mari trocaram bilhetinhos freneticamente nas duas primeiras aulas, e a Alina não olhava para ninguém que não fosse as outras duas. Já tinham se passado cinco minutos do intervalo e nenhuma das três saiu da sala. “Ai cara, preciso te pedir um favor sério.” Foi assim que o Enrolado começou a me contar que a Alina estava grávida, e que eles queriam minha ajuda para fazer um aborto com Cytotec. “Não sei velho, acho que cada um faz o que quiser, mas não é melhor procurar uma clínica, uma coisa mais segura?” “Aonde? Até achei umas coisas na net, mas são dez mil.”
Não precisei dizer que sim nem que não, quando combinamos de sair da aula e ir atrás do cara que ele disse que tinha os comprimidos ficou tudo subentendido. “Pelo teste da farmácia tem uns dois meses.” “Sempre ouvi dizer que aborto com Cytotec acaba com o útero da mulher. Ela nunca mais vai poder ter filho.” “Tem um monte de desinformação por aí. É só fazer certinho.” “Quanto vai custar?” “Milão. Vendi meu vídeo game e meu baixo. Ainda não sei o que vou falar pro meu pai e a minha mãe quando descobrirem.”
Chegamos na casa do muambeiro que trazia o remédio do Paraguai. “É o seguinte, você vai precisar de uns nove comprimidos. Primeiro ela toma seis e coloca um na buceta. Depois de umas quatro horas ela toma outros dois.” “E como vai ser?” “Ela vai sangrar um pouco, sentir umas dores. Depois de uma semana você faz o teste de novo, se não tiver dado certo tem que tomar tudo de novo.” Saímos e fomos direto pra minha casa. A Júlia, a Mari e a Alina estavam esperando a gente na esquina. “Obrigado Neb, não sei nem o que dizer.” A voz dela gritava desespero e tristeza.
Entramos no clima de velório que que a situação pedia. Ninguém falava nada. Coloquei um Pink Floyd para tocar alegando que era pra ninguém fora do quarto escutar o que a gente falava lá dentro. Fui na cozinha e pegue uma jarra de água gelada e uns copos. Voltei e acendi um baseado. Quando passei para a Alina percebi que ela estava segurando o choro. “Cadê o remédio?” Perguntou ela para o Enrolado. Ela entregou a cartela com os comprimidos para ela. “O cara falou que você tem que tomar seis e colocar um na buceta.” “Que? Li na net outra coisa.” “Não sei, foi o que o cara falou. Faz do jeito que você quiser.”
Intervi antes que a coisa ficasse pior. “Calma aí. Alguém aqui já fez isso?” Ninguém respondeu. “Então vamos ver o que a gente acha.” Liguei o computador e entrei no Google. Vimos uns cinco site e dois vídeos. “Cada um fala uma coisa. Alina, acho que a gente tinha que procurar alguém de confiança para falar disso.” A Mari era a mais preocupada de todos, e a Alina não continha mais o choro. “Falar com quem? Eu tenho que fazer isso.” “Acho que é muita falta de informação para uma coisa muito séria.” Definitivamente eu não queria que ela fizesse aquilo desse jeito. “Eu conheço uma pessoa que fez.” Todo viraram para a Júlia esperando ela dizer “eu”. “A Roberta, do 3°B. Ela não sabe que eu sei.” “Vou falar com ela.” “Só não diz que foi eu que disse.” A Alina pegou o celular e foi para a garagem.
Ninguém falou nada enquanto ela estava no telefone. Foram mais de quinze minutos. “Vou fazer como ela falou.” A Alina parecia mais segura depois da conversa. “Vou tomar seis agora e mais três depois. Não tem nada disso de colocar na buceta.” O Enrolado mau olhava para ela. “Mas e aquele site que dizia que tinha que estar em jejum de 6h?” Queria ganhar algum tempo e tirar todo mundo dali. Não estava me sentindo bem. Ninguém sabia o que estava fazendo. “Ela disse que nunca ouviu falar disso e que não estava de jejum. Tem que tomar igual doce, por debaixo da língua e esperar uma meia hora antes de engolir.” Ela pegou seis compridos e colocou na boca antes que alguém falasse alguma coisa.
Liguei a televisão e pus Entrevista com vampiro. Alguém precisava falar alguma coisa, nem que fosse um filme. A gente se ajeitou pelo chão enquanto a Alina deitou na cama. Acendi dois baseados e coloquei na roda. Todo mundo ali queria pensar em outra coisa, incluindo a Alina, mas por mais que tentássemos nos concentrar no filme acho que ninguém conseguia. Passado uns quarenta minutos a Alina tomou um copo de água. Depois quando eu olhei para cama ela estava encolhida com a mão na barriga.
Quando ela percebeu que todos estavam olhando começou soltar o choro preso. “Dói muito.” “Calma.” Foi uma coisa estúpida para se dizer, mas foi instinto. “O que a gente pode fazer?” Tentei concertar. “Molha uma toalha com água quente para mim.” Entrei no banheiro e liguei o chuveiro na chave de inverno e molhei uma toalha. “Aí, meu Deus.” Me viro e vejo a Alina apoiada na Mari e na Júlia pedindo passagem. Deixei o chuveiro ligado e a toalha no chão do box e sai. Elas entraram e fecharam a porta.
Olhei para minha cama e vi uma mancha de sangue enorme no edredom. O Enrolado estava sentado na cadeira chorando. “Ela não conseguia nem ficar de pé.” “Calma.” Não tinha mais nada à dizer. Acendi um cigarro e joguei o edredom para longe. Coloquei um cobertor na cama e sentei no chão. O barulho do chuveiro não era o suficiente para abafar o choro. Alguém vomitou. Também foi bom perceber que elas conversavam. Mudei a TV para os Simpsons para não ver a discussão entre o Louis e o Lestat sobre o bem, o mal e a vida.
A Mari abriu a porta do banheiro e pegou a mochila da Alina. O chuveiro desligou e as coisas pareciam mais calmas. A Alina saiu com o cabelo molhado e outra roupa. “Desculpa pelo edredom, eu vou lavar.” “Não se preocupa com isso. Como você está?” “Dói muito, em todos os lugares.” Ela esticou a toalha na cama e deitou em cima. “O que a Roberta te disse?” Perguntei querendo saber quais seriam os próximos passos. “Que ia ser assim por mais ou menos uma semana. Que horas são?” “Cinco e meia.” “Tenho que tomar mais três quatro horas depois, umas seis e meia. Coloca aquele show do U2 que você tem pra gente ver. Quando acabar eu vou embora.” “Você pode dormir aqui se quiser.” “Obrigada, mas eu vou pra casa.” Ficamos esperando a hora chegar fumando e vendo TV.