CONTO REAL

Certa vez, ao apresentar a “Hora do Conto”, na Biblioteca do Engenho Novo, recebi um grupo de alunos do Ensino Fundamental, que eram semi-internos e já bem crescidos.

Como não fui informada de suas idades, mas da série, escolhi um livro onde um naviozinho contava suas peripécias. Achei que iria agradá-los. Mas não foi bem assim.

Chegaram reclamando, cheios de má vontade, chateados e mal-humorados...

Mostrei-lhes o livro, tentando motivá-los e a maioria, de cara feia e irritada, a ponto de me interpelarem:

- Ah, acordamos tão cedo para vir aqui ouvir bobeiras!

- Histórias de um barquinho para criancinhas! Me poupe, tia!

Assim, mesmo, acabei de ler a tal historinha, fiz perguntar para avaliar a compreensão deles, que me respondiam com monossílabos...

Então, distribui uma folha de papel a cada um, pois iríamos fazer a dobradura de um barco.

Aí, o bicho pegou!

Disseram quase em uníssono: - Já estamos carecas de saber como se faz isso aí, tia!

Respirei fundo e pedi: - Dobrem assim mesmo, por favor!... O que fizeram na maior rapidez.

E continuei: -Tudo bem que vocês vieram aqui a contragosto e estão com muita raiva, não é? Então agora, vamos rasgar tudo!!

Eles me olharam, meio incrédulos, já curiosos e menos hostis.

- Peguem esse barco ridículo e rasguem a ponta de cima, com bastante força! Depois despedacem as pontas dos lados, com vontade! O que sobrou? Desdobrem e verão!

Oh, uma camiseta!

- Peguem os lápis e pintem a camisa do seu time! Caprichem bastante!

E como por encanto, brotaram sorrisos e alegria, naquelas crianças tão adultas, carentes e entristecidas...

Pedi-lhes algumas “obras de arte” para enfeitar o mural, no que fui atendida prontamente. Solicitaram ainda, mais papel, mais lápis, mais cores e... Não queriam mais ir embora...

Ganhei o dia!!

Até hoje, penso com carinho naquelas pessoinhas tão sofridas, tão desesperançadas e ávidas por brincadeiras e afagos.

Pude ver desenhado em seus rostos um largo sorrisão e por um tempinho, puderam esquecer a dureza da vida.

E eu também, ainda sorrio, com os olhos marejados...

(Lourdes Ramos)