A Quadratura do Círculo - cap. 38
O livro repercutiu, quer dizer, dentro daquilo que se espera de algo ligado a universidades e especialistas; não foi aquela coisa, mas até houve colunas em dois suplementos literários; um me foi favorável; destacou o esforço por traduzir direto do grego, algo inédito em nossa cultura tupiniquim , mencionou meu nome, o que fazia, minha formação eclética e destacou” a bravura do povo brasileiro, a vencer as dificuldades com batalha e superando a falta de recursos”; as palavras são deles. É um prazer bobo, como a maioria deles, uma certa vaidade, ver seu nome impresso; acho que não há mal nenhum nisso, visto que financeiramente não foi a mesma coisa. Mas outro suplemento quase que me censurou; disse que a escansão dos versos eólicos tinha problemas de métrica. Será que tinha mesmo; fui lá e , sim , cometi uns erros. Nada que não possa ser corrigido em edições posteriores.
E quem era Éolo? Vou citar brevemente a história: Odisseu ou Ulisses, como quiserem, chegou, após naufragar, à ilha do rei Éolo; suplicou de joelhos ( e como os gregos são dramáticos!) por ajuda; o rei se apiedou dele e de seus marinheiros e deu-lhes um barco, em que os ventos eram amarrados em um embrulho no convés; não deveriam mexer nele. Partiram e, como não poderia deixar de ser, os marinheiros abriram o embrulho e , dada a xeretisse característica dos humanos, os ventos se espalharam, junto com tempestade e ventos e, o navio foi parar exatamente onde estava- a ilha do rei Éolo; não precisa dizer que o rei expulsou a tapas aqueles folgados.
Tudo isso acima apenas para explicar o que é erosão eólica; quer dizer, causada por ventos.Os gregos eram dramáticos e imaginativos como ninguém para explicar coisas simples. Nesse meio tempo me chega um convite inusitado: Apolônio me convidava para o lançamento de seu livro de autoajuda: “Signos do Tempo”; era um impresso do qual se fizera milhares, senão milhões; nele aquela sua foto em pose de intelectual, que não era, com a mão no queixo e, ai de nós , uma de suas frases de efeito : “ o amor constrói correntes sólidas de felicidade”. Sei que isso empolgaria as multidões, mas não era o meu caso. Com essas tiradas a sua conta engordava a olhos vistos. Abominava aquela foto; chegava a ter raiva, mas no íntimo, não ligava; era o que se esperava do nosso mundo. Dostoievski me lembrava: “o imbecil sempre triunfa”. Não chegava a tanto; considerava, entretanto que : “ o vivaldino sempre triunfa”.
Não compareci à cerimônia, mas soube que foi um estrondo; esses fenômenos sociais nem sempre têm uma explicação; acho que Apolônio (vou chamá-lo pelo pseudônimo) tinha um faro para falar o que as pessoas queriam ouvir; não, as pessoas não querem aqueles indivíduos francos e com frases incisivas; fale o que as pessoas querem ouvir; eis o caminho do “sucesso”.
E foi o que ocorreu; Apolônio agora tem uma casa em Aspen e saiu em foto com uma linda mulher ; ele merece! Falar o que os outros querem ouvir requer um prodigioso talento!
Paloma e Rufino pareciam ter nascido um para o outro; tinha torcido , no íntimo , para dar errado, mas via agora que era irreversível; o brutamontes estava mais suave agora e parecia até alguém decente; ela se beneficiou da mania de ostentação de Rufino e isso casou com sua origem abastada; os pais se orgulhavam deles agora. Só faltava uma criança; algo que não consegui lhe dar; nunca investigamos a fundo a causa. Vá lá, Rufino, cumpra seu papel; ainda são jovens e, o mundo quer isso! Eu também queria no começo; hoje não; Rafaela não pode mais e, a família dela, já tão numerosa , nem faz questão de mais um sofredor; sentiram um alívio que a filha “desencalhara”; não disseram isso, é lógico, mas senti. Ah, humanidade, cheia de sentimentos contraditórios!