UMA TARDE AZUL ou, coisas da vida...
Vanda estava sem muito o que fazer. Seus filhos, crescidos, não mais queriam sua tutela, sequer a presença. Apelidada de “coroa chata”, era excluída de qualquer intenção de programa dos jovens. Nem cinema. O marido, bom, esse só fazia trabalhar ou jogar golfe. Até tentou aprender esse “troço”, mas não foi longe. Dizem que seu “swing” não é bom o suficiente. Vai lá na “gafieira do Nerso” e pergunta para qualquer um se o “swing” dela é bom ou não. Cada uma. Mas, enfim, a Vanda já tentou de tudo. Fez academia, ou melhor, tentou frequentar. Ficou inibida com aqueles corpos, todos sarados e suados. O seu era apenas um corpo de mulher perto dos quarenta, carente, mais nada. Queria só um carinho, nem precisava ser miss, ou melhor, nem queria. Tentou o voluntariado e descobriu um monte de miséria, desgraça e baixo astral. Foi persistente, mas chegava em casa com o ar meio “Poliana”, se é que me entendem. Nestas horas acabava levando dura da família inteira, na única ocasião em que todos se reuniam: o almoço do domingo. Passou a frequentar o clube. Descobriu um bando de desocupadas de existência quase inútil. Pensou em abrir uma loja, mas isto só ia lhe trazer aborrecimento, impostos e empregados. Como ela achava que seus problemas já lhe bastavam e que não queria acrescentar a eles os de seus empregados, desistiu.
Certo dia Vanda foi convidada para tomar um chá na Fundação Maria Luiza e Oscar Americano, lá no Morumbi. Lugar belo, um bosque, encravado no igualmente sofisticado bairro do Morumbi, em São Paulo. Se vestiu como se deve e, por conta do clima ameno, até saiu de sandália de finas tiras. Seus pés sempre foram motivo de admiração, inclusive entre as mulheres e era preciso mostrá-los em todas as ocasiões possíveis. Quando chegou, logo encontrou as amigas e se sentiu em casa. Aliás, belíssima casa. Tudo correu bem, sendo que a tarde foi a mais agradável que se possa imaginar, levando-se em consideração tratar-se chás, docinhos e fofocas.
Na saída recebeu um galanteio, desses “en passant”, de um jovem que aparentemente tinha vindo buscar sua mãe. Ficou perplexa e, no transcorrer da breve conversa, descobriu que o rapaz era meio caído por ela há algum tempo. Ficou envaidecida e aceitou um convite para o sábado. Acabou num motel.
Depois daquele sábado, Vanda passou a se deleitar com os mais diversos rapazes e até moças que lhe cruzavam o caminho. Lembrou de “Belle de Jour” e achou fascinante ser protagonista de imensas sacanagens tardes a fora. Gostou tanto que escreveu um livro. Best seller instantâneo.
A família, em estado de choque, quase a expulsou de casa. O marido, imediatamente, entrou com ação de separação. Dos filhos todos, só a menina lhe deu atenção. Não que concordasse com a mãe, apenas ouviu o que ela tinha para dizer. Os outros, nem isso.
Vanda foi curtir o sucesso. Não se sabe ao certo se curtiu o sucesso de ser escritora ou o sucesso de ser puta. De qualquer maneira, gostava de ambas as coisas, e muito. Passou a questionar o papel das putas na sociedade e fazia divinas aparições em programas de Tv, nos quais, invariávelmente, fazia um trocadilho com a expressão “garota de programa”.
De qualquer maneira, fez nascer o debate sobre a questão previdenciária das putas e seu direito de aposentadoria. Prestam um serviço, portanto, têm o direito. Foi na Assembléia Legislativa, lá no Ibirapuera, fez passeata e o diabo a quatro. Saiu em jornal, revista e foi traduzida para vários idiomas.
Vanda encontrou a felicidade no prazer que seu corpo lhe trazia e não entendia a hipocrisia da sociedade que usa, até se lambuza, mas, oficialmente, renega esse serviço. Vanda nunca pensou em ser o “dedo na ferida”, mas acabou fazendo bem esse papel. É verdade que, nessa sua nova vida, acabou arrumando muitos desafetos e até inimigos. Chegou a ser hospitalizada em consequência de uma surra que levou, mas estava sempre aproveitando estas ocasiões para ajuizar processos e promover seus livros. Sim, a esta altura já tinha publicado vários títulos.
Encontrada morta em um Motel, foi enterrada, com grande presença de público e imprensa, no cemitério do Araçá, em linda tarde de céu cristalino, sem nenhuma nuvem.