COURO SECO
O COURO SECO
A procissão percorria as ruas da cidade passando em frente à igreja nova e a casa paroquial. Ali, o que mais chamava atenção do povo, era a queima de fogos de artifício, depois seguia passando em frente à Escola Normal, indo até a Igreja Nossa Senhora do Patrocínio, "Igreja Velha". Foi a primeira igreja da cidade, já não era muito freqüentada, e tornou-se um lugar sombrio, envolto nas mais mirabolantes estórias e mistérios.
A banda semitonada da prefeitura enchia os ares com melodias repetidas, mas, que falavam ao coração e tocava no sentimento nativo. Os artistas, cada qual se achando o melhor dos músicos, tentavam fazer sobressair o som de seu instrumento, sem incomodar com a harmonia preceituada por Seu Dinon. Beatas cantoras chegavam a fechar os olhos e entortarem seus pescoços, no mais estridente eco, entoando ladainhas o mais alto possível.
Rosalina uma beata misteriosa que andava sempre de roupas pretas, segundo dizem, desde que ficara viúva há mui to tempo. Suas sobranceiras grossas, o olhar escuro e frio, nunca soltava um sorriso, talvez por ter alguns dentes podres bem à vista, nas arcadas dentárias. Aparecia nos lugares sempre inesperadamente, assustando as pessoas. Passava a maior parte do tempo sob as escuras sombras dos recantos da Igrejinha, chamada Igreja Velha. Era ela, quem preparava e cuidava de tudo ali, não se podia negar; chegava e saia padre, mas ela era quem mantinha controle daquela quase macabra Igreja, onde se costumava velar os mortos.
Era sabido, casos fantásticos daquela igreja, aonde nos fundos tinha uma mata de aveloz, ninguém gostava de passar por aqueles lados escuros. Um jovem casal que durante as novenas furou a cerca com o i ntui to de namorar, foi achado no dia seguinte desacordado e nu, ao lado da amada, com os testículos cortado e a jovem sangrando como se tivesse tido um aborto. As notícias de casos como este, se espalharam de tal maneira que o vigário passou a realizar as novenas na Igreja Nova, ficando a igreja velha somente como patrimônio histórico e que depois de abandonada ganhou muito mais um aspecto assombroso.
Dizia-se que no sótão daquela igreja havia um couro seco de mulher, que quando jovem não honrou aos pais, e batia nos velhos que eram doentes. Tornou-se depois uma beata velha ranzinza que amancebou-se com padre que fora excomungado. Quando morreu, de tão ruim a terra recusou-se a comê-la, o seu couro seco foi trancafiado no sótão e amarrado com fortes correntes. Dizem, que al tas horas da noi te em di as grandes (di as da semana santa),
misteriosamente recompunha-se ganhando carnes, soltava-se das marras e atacava a jovens que praticassem heresias, profanando a área aquela igreja.
Uma certa ocasi ão o couro velho foi reti rado por um padre e levado e sepultado num túmulo, de onde por várias vezes saiu regressando para o sótão, e a teimosia do padre resultou que certa feita foi o mesmo encontrado nas imediações morto, nu com os testículos cortados.
Outro dia, dois jovens estudantes de Tarrachil, Tadeu e Railda, resolveram tentar desvendar o mistério do couro seco. Para isso, teriam que furar a cerca de aveloz depois abrir uma de suas enormes janelas em cujas paredes de mais de um metro de espessura, grossas tábuas de madei ra lei eram fechadas com trancas feitas à forja ferreiros garantindo inacessibilidade.
Os jovens foram felizes, noite de meter dedo no olho, não se via vestígio de presença humana nem suas própri as sombras. Ao forçarem uma das janelas, notaram que esta cedeu, havia sido esquecida sem tranca. A moça ficaria de fora espiando, caso aparecesse alguém daria o alarme. Ele, jovem destemido entraria para vasculhar tudo, até encontrar uma pista para desvendar o mistério. Revirava tudo tendo o cuidado de arrumar direitinho para não deixar suspeita.
O tempo passava, a moça escutava passos, ma i s passos do que o normal e pensou ser apenas o eco. De vez em quando, algum barulho mais forte. O jovem estava se demorando muito, o relógio no braço da moça marcava uma hora da madrugada, ele não voltava, nem se ouvia mais nada. Ela foi ficando com medo, pensou em chamá-lo, mas não podia falar para não chamar a atenção.
Optou por assobiar: - "Fiiiiu !" chamando-o, e nada.
Depois, resolveu gritá-lo: - " Taadeu, e nada!".
Largando-o lá, foi-se embora, ainda na mesma noite avisou aos familiares dele do que havi am planej ado,. Como já era quase de manhã aj untaram• uns quatro e foram, mas chegando lá encontraram-no do lado de fora, estirado no chão desmaiado, nu e com os testículos arrancados. A janela continuava encostada entreaberta, enfiaram a cabeça para dentro e não viram nada, por fim entraram e também nada encontraram. Levaram o pobre jovem para o posto de saúde afim de fazer curativos e quando o mesmo voltou a si, disse apenas, que já estava de saída quando um vulto mais escuro que a noite lhe acertou na cabeça, e não sabia direito explicar o que aconteceu.
No dia seguinte começam as novenas, a cidade estava cheia de gente de fora, muitos jovens namorados desavisados procuram um recanto escuro para namorar, mas ali continuava o aviso: "Não profanar com luxúria, as redondezas daquela velha igreja".
Nunca descobriram o mistério, sabia-se contudo, que a maldição continuava e enchia todos de pavor. A única pessoa nunca atacada, foi Rosalina, aquela velha beata, ranzinza, ali vivia encerrada rezando e protegendo o couro seco.