ESPORAS AMARELAS

ESPORAS AMARELAS

A cerca de arame farpado era o limite das terras férteis à margem do Rio das Pedras. Aos poucos transformada em pasto, a paisagem de arbustos e espinheiros.

O carro de bois os cavalos, tordilho e baio, pastavam próximo à casa velha de adobe. Ainda fumegava o fogão quatro bocas de chapa à lenha. O filtro de pedra, uma cristaleira de madeira, eram os maiores utensílios na cozinha . A velha foto amarelada de patriarcas. Chapéu de couro e gibão atrás da porta. Um banco amarelado de caraíba, sob o qual Tobi costumava se espichar para descansar. A melodiosa sinfonia de pardais da o tom do amanhecer, o mugido dos bois no curral contrasta com o farfalhar do capim elefante, do lado de baixo da casa voltada para o nascente. O latido do Tobi, completava o despertar dos bichos, dos homens e de todo gado. Todas as sombras estão se dissipar e as últimas corujas abrigam-se no espesso pé de gameleira e no frondoso juazeiro proximo.

As margens roídas pela erosão das ultimas enchentes estão agora cobertas de arranha-gato e outros espinheiros.

Quando o leito está cheio, aparecem nas partes mais elevadas, ilhas. A terra fica dividida em grandes (circos) porções, que servem como opção de pastagem de confinamento do pequeno rebanho, composto de algumas vacas, ovelhas e cavalos.

Trabalho árduo de sol a sol, e a velha fazenda vai se erguendo. Eulália com sua vida simples, trabalha alegremente no lar e não lhe falta nada. Preocupa-lhe, ultimamente, umas saídas misteriosas do marido, supostamente para resolver problema de gado e de terra. Têm lhe tirado a tranquilidade a tranquilidade, mas, deixa passar como se nada a incomodasse.

__ “Será que ele está me traindo” Pensa Eulália com seus botões.

Afinal ele era homem acima de qualquer suspeita. Trabalhador, carinhoso e não deixava faltar nada em casa. Mas para não deixar escapar alguma pista, quando ia lavar a roupa do marido, examinava os mínimos detalhes desde o colarinho à bainha da calça. Por fim certificava-se que só poderia ser paranoia de sua parte e logo, logo esquecia.

Certo dia resolveu ir á feira na cidade, fazia muito tempo que não ia. Na feira reencontra muitos conhecidos e dessa vez encontrou sua velha amiga de infância.

— Oi comadre Eulália, como tem passado, e como vai o compadre Novais?

— Tudo bem! O coitado anda por aí. Tanto trabalho, deve estar resolvendo coisas do gado. Coisas de homem!

De repente, a comadre Florzina que até parece, não gostava nada de uma fofoca aproveitou para falar de festas e novidades.

— Lá para os lados do roçado do Sebastião a cada quinze dias o forró corre solto. Umas horas dessas pede para o compadre te levar! Ele não perde uma. Mas já que você não dança, a gente vai jogar conversar fora e se divertir até matar as saudades.

— Qualquer dia desses. Prepara lá um lugarzinho só para nós, quando menos esperar, chegamos!

Agora fazia sentido as saídas misteriosas do marido. Querendo pregar-lhe uma peça por estar sendo enganada, conteve a raiva e manteve o silencio. Quando se aproximou o dia que ele costumava sair, o cavalo baio já estava pronto e ela o deixou as escondida. Ela deixou ele partir, e rapidamente pegou o tordilho, se arrumou e partiu para a casa da amiga a fim de surpreendê-lo no forró.

Era noite de escuro, como se diz no interior, uma noite de meter dedo no olho. Na latada da casa do Sebastião o festejo parecia inaugural. O sanfoneiro com os olhos fechados inclinava a cabeça pro lado e arrastava um forró, um xaxado e baião daqueles de botar para dengar. O vaqueiro fungava no pescoço da morena e rodopiavam sem parar. A conversa ao pé do ouvido, a mulherada se derretia nos braços da vaqueirada. A rapaziada disputava para dançar primeiro com a Florzinha, esposa do cachaceiro, “Zé do Bigode”, o José de Barradas. O coitado bebia tanto que logo no começo da festa caia num canto e ali passava o resto da noite. Sua formosa mulher acostumada ao descaso, caia na dança. Comentava-se entre os rapazes, que a qualquer momento embuchada por algum vaqueiro.

Já era alta noite Eulália não dançava e procurou a amiga.

— Florzinha, já é muito tarde e não vejo meu marido, ele parece não deu as caras?

— Não se preocupe, deve estar por aí com os amigos em algum recanto bebendo e jogando baralho. É o vicio deles, logo virá e se surpreenderá.

E a festa continuou, mas passado pouco tempo depois, e como não era seu costume ficar até altas horas, resolveu chamar a amiga e dizer que se recolheria para dormir. Como a casa da amiga não era muito longe, não haveria necessidade de incomodar a amiga, iria sozinha mesmo já conhecia o lugar, o caminho. Pegou o caminho e tinha que passar por uma pequena mata fechada, ela era corajosa não tinha medo. Olhos da escuridão a observava, passos rápidos e de repente mãos firmes seguram-na por trás tampando-lhe a boca. A paralisia de medo nenhuma palavra, nenhuma reação. Caindo sobre a areia do riacho manso, beijando-lhe com sofreguidão, possuiu com volúpia por momentos sem fim.

Envergonhada, não ousava chorar, apenas imaginava. “Que vai ser de mim”. Prosseguiu até a casa da amiga, onde se manteve acordada até o raiar do dia. Quando amiga chegou alegre e satisfeita, ela então pediu o máximo segredo e contou-lhe todo ocorrido em detalhes.

Depois de ouvir com toda atenção a amiga deu sua versão.

— Primeiro de tudo, fique calada. Você não é mais virgem, ele jamais vai desconfiar de você se você não falar. Isso é segredo nosso Na verdade eu te falei antes porque no afã da festa, não imaginava que fosse te acontecer tal. Mas, se ninguém te viu não há por que choramingar. Fique calada sua boba! O Mundo não se acaba por isso. Sabe por que eu não saio com aquele bando de rapazes da festa, vou conta:

___É que, quando estou mesmo a fim, vou sozinha por esse mesmo caminho, e já fui atacada dezenas de vez. Até gosto, adoro! O Zé só quer saber de cachaça, já não dá no couro tão bem. Tempos atrás, sem que o tarado notasse, peguei dele uma pequena lembrança.

A amiga ficou horrorizada, mas se conteve.

Ainda estava escuro quando Eulália acompanhada da amiga retornou pra sua casa, apreensiva, mas conformada e surpresa pela ousadia da amiga.

Chegando em casa o maridão já estava dormindo e ela pensou, será que ele resolveu não sair. Não o acordou e logo se foi aos afazeres do lar.

Mais tarde quando ele acordou.

—Onde você estava Eulália?

— Ah! Fui à casa de comadre Benta! Uma outra comadre que morava um tanto afastada.

— Logo vi! Tanto tempo sem ver, devem ter se enroscado no papo e nem viram o tempo passar.

Passado bom tempo foi à feira outra vez, e quem encontrou. A velha amiga Florzina, que foi logo perguntando.

— E aí mulher, como foi deu para safar-se!

— Não é lá meu princípio mentir, mas apenas omiti algo mais, e contei-lhe uma pequenina mentira.

— Não sabia se te encontraria, mas algo mais forte bateu-me, e como temos um pacto de segredo trouxe algo para te mostrar. Não é nada de mais é apenas aquele lembrancinha que te falei anteriormente.

Enfiou a mão numa sacola cheia de coisas e tirou um embrulho, era o jornal velho num pedaço de saco de estopa. Quando mostrou à amiga, a amiga ficou muito admirada, como se tivesse tomado um susto.

— E se o teu marido reconhecer, e te encher de perguntas o que você vai dizer?

— Aquele pinguço, não reconhece nem mesmo suas cuecas. Mesmo assim tenho excessivo cuidado, afinal não sei de quem possa ser. Já estou até enamorada do tarado da mata. Ela já não me pega à força é muito carinhoso. Estou por ver macho tão gentil.

Conversaram bastante e até riram da situação.

Outro dia quando enquanto o vaqueiro Pedro entrava em casa para levar o leite, notou que o mesmo usava somente um pé de espora amarela.

Como sua amiga nunca faltava a uma feira resolveu ir logo no sábado seguinte. Encontrar a amiga, disfarçou um pouco e perguntou.

— Sabe amiga, aquilo que você me mostrou daquela vez, me deixou com uma pulga atrás da orelha que perigo. Você se lembra qual foi o pé?

— Ah! Mulher, é claro que sei, foi o esquerdo! É comum, vaqueiros perderem até chapéu, so não perdem as calças não sei por que.

Riram e a conversa tomou outros rumos.

Retornando à fazenda não revelou suas suspeitas manteve silêncio.

Certo dia, porém, notou que o seu marido usava esporas diferentes e suas suspeitas do vaqueiro viraram para cima de seu marido também. Na dúvida para não haver um desentendimento com marido nada comentou. Seria ele, o tarado da mata ou o seu vaqueiro Pedro.

Florzinha continuava desfrutando sexualmente das carícias do tarado da mata, em noites de forró, e nem se preocupava em querer saber quem era o tal.

Não há nada oculto que não ser revelado um dia.

E assim o tempo foi passando, até que a Eulália convencida pela amiga Florzina resolveu ir a casa dessa amiga mais vezes, sempre as escondida e já que não dançava, e o maridão que era viciado no jogo nem aparecia muito na dança, não a via. A confiança entre ambos não deixava margem para suspeita.

Enquanto a amiga Florzina se deleitava nos braços dos vaqueiros toda faceira, ela se adiantava e ia para o caminho e lá o tarado a usava. O mesmo silencio de sempre a deixava e da mesma maneira silenciosa como chegava sumia no mato. Eulália, agora sonsa nada contava para amiga.

Amiga já estava saindo também com um vaqueiro chamado Jerônimo. Era um vaqueiro novo que apareceu naquelas bandas e tinha fama de valentão. Pois não é que ele embuchou a Flrozina, ela parou de ir ao caminho, por que o vaqueirao não largava do seu pé, daí é que foi o drama.

O Zé das Barradas ao desconfiar da gravidez da Florzina, virou um bicho, Um Touro. Bêbado armou-se de uma foice e partiu para procurar o tal Jerônimo. Quando o encontrou travaram luta ferroz. O Zé das Barradas parecia um Guinu X Jeronimo o leopordo, Zap, trezap, Eu te furo, Eu te como. E rolaram pelos matos a pexeira do Jerônimo a foice do Barradas, tilintavam no ar, Cheiro de suor e sangue já salpicava o chão batido da latada da casa do Sebastião. Depois de sangrenta luta os dois ensanguentados caído no terreiro ainda segurando um o seu instrumento de guerra. Foram levados para o Posto de Saude que ficava a sete léguas. No caminho, morre o Ze das Barradas, mas o Vaqueirão Pedro, depois de longos meses se recupera da foiçada que lhe decepou a orelha esquerda e quase arranca-lhe o braço esquerdo também.

Florzina deu um bom tempo sem ir ao forro, até que lhe nasceu o menino a quem deu o nome de Paixão.

Ela ainda não havia se esquecido do tarado e aguardava apenas uma folga à noite para ir ao caminho e já estava com saudades.

Nesse ínterim, Eulália não perdia tempo, sempre que o maridão sumia para resolver problemas de terras e de gado, ela também se arrumava toda e ia até aquele caminho. Depois voltava toda feliz como se tivesse visto passarinho verde.

Outro dia na fera reencontra a amiga Florzina, conversam bastante até que chama a amiga num reservado e lhe conta que trouxe algo para deixar com ela e se ela quiser, pode guardar consigo, pois o vaqueirão anda num pé e noutro pode vir a descobrir tudo. Lhe passou então o embrulho e o que tinha dentro era o par de espora amarela.

Eulália nada podia contar para amiga sobre suas suspeitas contra seu marido e o vaqueiro Pedro. Estava desfrutando do mesmo tarado e podia levantar ciúmes na amiga, muito embora ela pensasse que se tratasse de seu próprio marido ou do vaqueiro, ficou boca de Siri (caladinha da silva).

Com o tempo descobriu que o vaqueiro não podia ser, pois o mesmo veio a revelar ter perdido sua espora na travessia do rio das pedras.

O tarado da estrada já estava ficando manso e já não ia em noite totalmente de escuro e quando aproximou-se do local costumeiro viu claramente a mulher que o aguardava, mesmo assim, mudo como sempre sem fazer perguntas a usou e ficou com ela bastante tempo. Ele já desconfiava que havia outra mas misteriosamente não sabia ainda de quem se tratava.

Florzina agora estava traindo o vaqueirão Jerônimo,e a amiga Eulália.

A amiga Eulália estava traindo o maridão Novais que também a traia com Florzina daí nenhum dos três podia revelar o segredo um do outro e muito menos terem um reencontro.

Quando foi no ano de 1954, numa noite de escuro enquanto o tarado transava com Florzina, a Eulália pouco mais afastada esperava a amiga partir para ela ocupar sua vez de esposa. A únicas testemunhas que por vez apareciam por entre a ramagem das juremas eram as estrelas.

Assim continuaram e elas são amicíssimas as duas teem filhos que são irmãos. Cotinuam até os dias de hoje.

NATINHO SILVA
Enviado por NATINHO SILVA em 23/04/2017
Reeditado em 29/05/2017
Código do texto: T5979287
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