Não se esqueça das flores...

 

 

            - Não há volta, Carol, não há.

            - Leopoldo, por favor...

 

            Foi o que ela disse, antes de uma lufada de vento, propagada pela porta que Leopoldo rudemente fechara, a esbofeteasse. Carol lançou-se sobre os lençóis em choro, amarfanhando-os. Foram dias e noites seguidos de amor, de uma paixão doentia, que sugara o melhor de ambos.

 

            Carol e Leopoldo comiam, bebiam e viviam entre as quatro paredes do pequeno apartamento de sala e quarto. Esqueceram-se do mundo, das famílias e de si mesmos. Quando os olhares se cruzaram da primeira vez, sabiam que seriam um do outro. Mas o poeta disse que o amor é eterno enquanto dura e eles esqueceram-se disso.

 

            Leopoldo abandonou o trabalho e só não foi demitido porque era um emprego público, cargo comissionado, conseguido junto a amigos de farra que amealhara durante o largo de sua vida. Deixou mulher, deixou filhos, deixou boquiabertos os amigos por conta da paixão doentia pela pequena Carol.

 

            E a culpa do enlace foi da esposa de Leopoldo.

            Era um sábado de manhã e Isolda ordenou a Leopoldo:

            - Vá até a feira e me traga esta lista.

 

            Ele lançou fora o jornal. Vestiu o paletó e saiu, sem gravata.

            - Vai de paletó? Perguntou-lhe Isolda.

 

            - Aparência, aparência... emendou Leopoldo afirmando, em resumo, de modo lacônico, o que sempre dizia: aparência é tudo.

 

 

            Na Feira

 

            Leopoldo caminhava entre as barracas de frutas, sentindo o odor das goiabas e bananas, quando divisou uma linda silhueta escolhendo maçãs. Aproximou-se como que para olhar as frutas. Sentiu aquele perfume de mulher. Reparou nas formas dentro do vestido florido feito sob encomenda. Era uma mulher perfeita. O corpo, embora pequeno, possuía curvas sensuais. As delicadas mãos em dedinhos brancos e miúdos acariciavam frutas que Leopoldo queria tomar. Fingiu que também escolhia e seus dedos se tocaram.

 

            Ele emitiu um largo e malicioso sorriso sob os bigodes finos e bem tratados. Carol levantou os lindos olhos amendoados. Cruzaram olhares. Carol sentiu um arrepio, um calor, um desejo irresistível por aquele homem alto e forte com hálito de flor da manhã.

 

            - Desculpe a ousadia, disse Leopoldo - o resto é história.

 

            Isolda esperou por frutas que não vieram...

 

            Ninho de Amor

 

 

            Leopoldo e Carol se trancaram no quarto e sala. Isolda ficou sabendo. Os vizinhos e parentes ficaram sabendo, a feira e o bairro e a repartição onde Leopoldo trabalhava ficaram sabendo.

 

            Isolda chorou, esbravejou e caiu em um sofrimento íntimo intenso, era o que Leopoldo ficara sabendo.

 

            De repente o encanto por Carol cessara. Perdera a noção do tempo, do juízo, de quem era. Assim que fechou a porta e deixou para trás aquela mulher linda, lembrou da esposa.

            - Isolda!

 

            Resolveu comprar flores. Antes passou no salão. Deu um trato na barba, no cabelo e no bigode. Os homens nada comentaram. Sabiam da aventura, do abandono do lar e da pouca vergonha daquele freguês.

 

            Ele comentou futebol e política. Quando levantou-se da cadeira e saiu, todos o olharam até que sumisse e falaram a respeito com sarcasmo.

 

            Escolheu belas flores. A florista ajudou no preparo do arranjo. Ficou bonito, muito bonito. Caminhou pela rua sendo apontado por línguas diversas. Abriu o portão da pequena casa em bairro de classe média da capital paulista. Subiu os degraus. Procurou a chave. Abriu e entrou como se nada nunca tivesse acontecido.

 

            A casa parecia bem. Limpa e cuidada. Esvaziou os bolsos guardando a carteira na gaveta de uma pequena estante. Era um sobrado. Não encontrou Isolda na cozinha, na sala e nem no escritório. Não estava no pequeno quintal aos fundos.

 

            Subiu os degraus em silêncio. Girou a maçaneta do quarto. Viu Isolda nua, deitada na cama, dormindo ao lado de seu melhor amigo. Fechou a porta e saiu tão calado quanto entrara. Pegou novamente os objetos na gaveta e resolveu voltar para Carol.

 

            Como conseguira enjoar de Carol?

 

           

            Surpresa

 

            Voltou para o pequeno apartamento. Abriu a porta.

            - Carol? Carol?

 

            Foi até o banheiro após ouvir o barulho de água escorrendo. Carol estava nua, deitada no chão, punhos cortados e completamente exangue, branca como a neve, fria como o mármore. Ele deixou que as flores caíssem. Foi para a cama. Deitou-se de costas com os braços abertos e ficou ouvindo o barulho da água caindo distante, como se fosse uma cachoeira a banhar as pedras de um reino limpo e distante onde as vidas e amores deram certo, muito certo...