O inquérito do bolo

A infância de Pedro nunca fora de luxos nem excessos. A comida não era de sobejo, mas não por isso era falta. Nesse parcimonioso viver cresceu Pedro com seus outros cinco irmãos.

Dia desses, a mãe dos infantes preparou um bolo, daqueles de várias camadas, a que se dava designação comum de torta. O motivo do confeito já há muito caiu no olvido, mas certamente motivos muitos para tal não há em família de parcas economias. Alguma data digna de celebração certamente se passava.

À noite, com todos já à mesa, na hora de se partir o bolo, fato inesperado vem à tona: parte do quitute já estava faltando! Alguém que não vencera as tentações palatares metera a faca na doce iguaria e porção dela consumira. Era preciso descobrir o autor do descarado furto! De imediato, o pai das crianças fez as vezes do presidente da investigação e investido de tal autoridade passou a exigir que se acusasse o autor do grave e desonroso delito.

- Não fui eu – disse Pedro.

- Nem eu – passaram os outros mais a dizer. De se notar que ninguém seria tonto o bastante de se incriminar gratuitamente, assim, sem mais nem menos. Ser descoberto era fatalidade do destino; revelar-se, era ato voluntário que certamente se revelaria tolice, pois a autoridade paterna viria a lhe pesar. De modo que, embora fosse evidente o furto, oculto permanecia o autor.

O caso era complexo, o inquérito não evoluía, uma vez que não havia uma pista sequer que apontasse o gatuno. O chefe da casa, muito seguro de si e de suas habilidades investigativas, mesmo sem rastros que levassem à elucidação de caso tão complexo, apregoou:

- Não partirei o resto do bolo sem descobrir quem foi que parte dele consumiu. Digo mais, não se façam de sonsos, pois bem sei que foi a mão de algum de vocês que parte da torta cortou.

- Talvez foi o gato, ou mesmo um rato, desses que temos tantos por aí. Afinal, é até comum cortar um pão do qual os camundongos já se fartaram antes de nós – aventou o primeiro dos irmãos.

- Não pode ser – protestou Pedro -, pois até hoje, bicho algum de quatro patas veio a se servir de faca quando busca forrar o pandulho. Claro está, pelo cortado do bolo, que foi bicho de duas patas que à parte deu sumiço. Além disso, também é certo que tem as manhas de ocultar o cometido.

- A bem pesar das coisas – disse o terceiro – é meio tonto porém. Se quisesse que não se levantassem desconfianças, deveria ter ido ao bolo às bocadas. Ficaria mais fácil atribuir o acontecido a algum animal esfomeado, agora de quatro patas, claro – concluiu rindo.

– De perguntar o que fez você chegar a tais conclusões – ponderou outro irmão.

Com um riso maroto comentou o quinto por sua vez:

- Talvez sejam as experiências anteriores em fazer sumir petiscos.

- É, cada qual fala das manhas que conhece – emendou Pedro.

- O caso não é de averiguação de faltas anteriores! – asseverou grave o pai, melhor, o presidente da investigação. Vendo que o caso não se resolvia, inopinadamente, alterou suas técnicas de apurar o ocorrido. O caso este não era o primeiro a elucidar, muitos outros já aclarara, muitos outros haveria de desvendar, mas já estava ficando, por assim dizer, com as calças nas mãos pelo rumo que o exame tomava.

Entenda-se a questão a partir do patriarca. Mesmo sendo simples caso de passar a mão, melhor, levar à boca e ao estômago por consequência, era evento que colocava em cheque seu governo. O velho enveredara por caminho sem volta ao revestir-se da autoridade de investigador e ao assumir o tom grave que achava que o caso merecia. Não esclarecer os fatos agora não lhe ficava bem, construir a autoridade levava anos, a desmoralização só um dia! Pelo andar da investigação, logo estaria não só com as calças na mão, mas se veria nu diante do dilema. Disse então:

- Aquele que se delatar, vai ser o primeiro a receber outra parte da torta que virei a cortar. Embora, claro, cortada já esteja.

- Fui eu! – acusou-se o caçula.

Honrado estava o chefe da família. O nobre investigador elucidara mais um caso. Respirou tranquilo. A autoridade, tão longamente construída, não fora abalada.

Diante dos irmãos atônitos, estava o autor do furto apreciando o segundo pedaço do confeito. Pedro levantou-se da mesa em protesto. Do bolo não provou, nunca soube o quão bom fora.

Dias depois, por uma dessas ironias do destino, vieram a furtar uma vaca do anterior bem sucedido presidente do inquérito. Ficou o homem muito furioso. Já o que tinham não era tanto, e vinha esse vil larápio desapossá-los de outro tanto.

- Daria tudo para saber quem foi o autor dessa safadeza! – dizia, por força de expressão, obviamente.

A Pedro, que tudo observava e as imprecações paternas ouvia, as ideias correram diferentes. Vendo seu pai debater-se quase aniquilado no insolúvel furto da vaca, sugeriu-lhe:

- Pai, faça um anúncio oferecendo outra vaca ao ladrão. Não tardará para bater à porta reclamando o prêmio. Ficarão satisfeitos ambos: ele por receber mais uma vaca; o senhor, por saber quem foi o ladrão!

Dimas A Reichert
Enviado por Dimas A Reichert em 11/04/2017
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