A carta de Dane

A luz da lua não mais inspira meu coração, depois do que minha alma se tornara (se é que é possível dizer que ainda a tenho). Se você não tem a paciência de ler esta enorma carta, não se preocupe, pois neste caso você não perderá nada de importante, não teria a capacidade de compreender tudo o que aconteceu.

Meu nome é Dane, tenho 22 anos e se você está lendo esta carta, provavelmente minha alma se encontra em outro plano. Estas escrituras possuem o intuito, não de contar sobre minha pobre vida, e sim de passar uma lição à todos vocês, algo que, se as pessoas ao meu redor soubessem, eu não teria dado meu último suspiro tão cedo.

Quando nasci, minha mãe morreu no parto, então cresci com meu pai, que chamo até hoje de "o melhor homem do universo". Não foi como aqueles clichês de histórias teen, onde o pai fode com o filho por pensar que ele tem culpa da morte da mãe, nestes casos. Meu pai foi um homem sensato e extremamente protetor, que soube que teria de me dar carinho em dobro por conta da falta de minha mãe. Minha infância foi bem feliz, eu adorava a escola, sempre tirei ótimas notas e fui um bom aluno, muito bem sociável e nunca enfrentei problemas de bullying. Lembro que, depois da escola meu pai me levava pra tomar um café, era uma tradição entre pai e filho, sabe? Sempre foi assim, até quando eu saia do trabalho, ele estava lá, com seu terno, me esperando na frente do meu emprego para que fossemos tomar um café e contar de nossos dias.

Com 18 anos terminei minha vida escolar e comecei a vida como empresário, onde tive muito sucesso. Praticamente enriqueci do dia para a noite, me tornei famoso, adorado e sempre busquei me evoluir espiritualmente. Até então, minha vida estava maravilhosa, repleta de felicidade, mesmo com a inevitável presença de algumas tristezas e sofrimentos, cujo sempre soube que teria de enfrentar, e por conta de minhas reflexões, sempre soube como enfrentar!

Eu tinha vários amigos, mas nenhuma relação fraterna chegaria aos pés da que eu possuia com meu pai. Ele adorava observar as estrelas comigo, havia uma em específico que ele amava, e, TODOS os dias em que olhávamos as estrelas, ele comentava desta comigo. Ela piscava muito, isso era o que causava toda aquela adoração do meu pai.

Pressupondo disto, lhe conto o primeiro baque: um dia, meu querido companheiro adoeceu gravemente, era câncer no estômago. Eu tinha dinheiro para bancar tudo, então o fiz, porém a força humana nunca é páreo para a da natureza, e nem todo o dinheiro investido com os melhores médicos, tratamentos, remédios e hospitais, fora o suficiente. Meu pai se foi, e junto de sua ida, um pedaço de tudo o que eu tinha de bom foi levado, e aqui que tudo começa.

Me lembro de uma noite, relativamente recente, em que eu fui para a varanda observar as estrelas, lembrar do único amigo de verdade que eu tive. O céu estava preparado para derramar suas águas, que logo iriam se misturar com minhas lágrimas em meu rosto contorcido pela agonia de uma perda. Mesmo com as nuvens escarlates de chuva turvando quase todas as estrelas, eu pude ver a estrela que meu Pai tanto amava, ela continuava piscando como antes. Algo de diferente me fez chorar aos soluços mais perturbadores que alguém poderia escutar: havia outra estrela ao lado daquela, na qual também estava piscando muito, era meu Pai!

A perda desencadeou uma ansiedade enorme que com o tempo eu descobri que, o café a amenizava. Foi aí que eu me afundei no consumo de café, energético, cafeína pura e até algumas drogas. Cheguei a ficar viciado, torrei meu dinheiro para sustentar meu vício, o que me levou à falência. Fiquei violento, perdi o brilho do meu olhar e passei a ver todos os dias como se fossem os mesmos. De pouco a pouco, percebi que meu corpo havia se rachado, e dessa fenda minha alma escorria mais a cada maldito dia. Conversar com os amigos, ouvir música, aprender mais, estudar, ler, escrever, cantar, trabalhar, transar, nada disso fazia sentido pra mim, nem viver. Com isso perdi meus amigos, cheguei à um ponto no qual era o fundo do abismo interminável.

Era um por de sol de Junho, o frio castigava minha carne. Eu chorava em um banco de praça, embaixo de uma grande roseira, com as mãos cobrindo meu rosto. A luz quase vermelha do sol se pondo passava fracamente pelas frestas das rosas e folhas, e iluminava meu corpo padecido. Senti uma mão muito leve pousar em meu ombro, junto de uma voz feminina: "precisa de ajuda, moço?" Eu me recompus e encarei a figura, uma garota pálida, cabelos extremamente negros, lábios bem rosados e feições delicadas. Ela me encarava com um olhar de preocupação, seus olhos eram negros como duas jabuticabas. De primeira eu estranhei muito sua abordagem, ela nem me conhecia e já demonstrava uma importância dessa? "Há fardos que apenas nós devemos carregar, moça... Precisar, eu preciso, mas será que é capaz?" -Respondi simpáticamente. Ela se sentou do meu lado e começou a conversar comigo sobre assuntos banais, seu nome é Jane. Até que eu perguntei a ela o motivo da preocupação comigo, a garota apenas respondeu "Empatia é algo tão raro nos dias de hoje que as pessoas até esquecem ou desconhecem seu significado e poder, mas eu não esqueci! Ter empatia salva as pessoas, ter empatia cria uma corrente amorosa e benéfica! Sentir pelos outros, é uma dádiva que todos devíamos desenvolver com sinceridade" Nunca esqueci tais palavras, elas sempre ecoaram em minha mente, o que me fez começar a desenvolver a empatia, e Jane me ajudou nisso. Iamos em centros de caridade fazer voluntariado, ajudávamos todos com a maior sinceridade no coração, e pratica-la me fez retomar as rédeas da minha vida. Comecei a me sentir vivo novamente e Jane se tornara uma pessoa muito importante pra mim, que me fez conhecer novamente o amor. Era tudo recíproco, nunca dissemos que éramos namorados, nunca pedimos um ao outro em namoro, pois não podíamos explicar o que aquilo era, nos expressávamos com lindos atos e palavras, mas nunca conseguimos de fato saber o que era. Tinhamos uma vida sexual ativa, um amor verdadeiro que não se limitava aos adjetivos "namorado" e "namorada", éramos almas unidas, com práticas de um casal comum (apenas à primeira vista, pois o que realmente nos importava era o brilho nos nossos olhos ao nos encontrarmos quase todos os dias).

Jane me ensinou uma coisa que me fez muito sentido: quem realmente AMA, não ama a sensação que a pessoa te trás, e sim a PESSOA em si! Houve épocas que ela me trazia uma sensação muito ruim e desconfortável, mas eu nunca a abandonei, pois todo meu afeto se dava à JANE e não à BOA SENSAÇÃO que ela me dera no início! Lembre-se que, toda sensação é temporária, então se você se apega à uma sensação que alguém te trás, você está fadado a enjoar dela (a pessoa)!

No dia 05 de março deste ano (2017) chamei Jane para vir até minha casa, era seu aniversário e eu tinha uma surpresa para ela. A garota estava tão feliz quando liguei pra ela, muito animada para passar seu dia comigo, ouvindo suas músicas preferidas, com seus doces e comidas que mais gostava. Ainda me recordo de sua voz no telefone "Em 10 minutos estou ai, amor! Vai ser o melhor dia, te amo muito, fogo que mantém o brilho em meus olhos"

10 minutos se passaram, 20 minutos se passaram, meia hora se passou e nada dela vir. Então tentei ligar em seu telefone, porém deu caixa postal. Alguns minutos depois, recebi uma ligação do Hospital de Base, informando que Jane sofrera um acidente e estava em estado grave. Com o desespero em minh'alma, corri para o hospital para encontra-la. Jane estava entubada e suas chances de viver eram mínimas. Custou para que eu conseguisse passar 7 dias segurando sua mão, 7 dias sem dormir, 7 dias consumindo café ao extremo, 7 malditos dias insistindo aos médicos para que eu pudesse continuar ao seu lado. Em um domingo, Jane falou comigo: "Dane, obrigada por tudo o que foi por mim, por ter sido o verdadeiro amor em minha vida e acima de tudo, por ter sido o anjo que me livrou de cometer suicídio aquele dia, na praça. Eu sempre vou te am..." O monitor cardíaco parou, o som da morte que ele produziu ecoou em minha alma e se enraizou no fundo dela, até hoje ele continua ecoando. Jane perdeu a firmeza que segurava minha mão e seus olhos perderam o brilho quando sua cabeça padeceu de lado, sem força.

Tudo recomeçou, e perdi minha alma por completo. O excessivo consumo de café me rendeu um úlcera enorme, que deu origem à um câncer. Estou escrevendo esta carta na UTI, posso ver Jane e meu Pai, Roberto, ao meu lado. Estão me encarando, esperando para que eu me junte à eles no paraí...

"Dane de Souza Oliveira veio à óbito às 01:26 da madrugada do dia nove de abril de dois mil e dezessete. A autópsia indica câncer no estômago, provocado por uma úlcera. O homem, de 22 anos será enterrado como um indigente, pois não foi encontrado nenhum responsável!

Foi encontrado, com relação ao homem, apenas uma carta com uma nota requesitando para que fosse publicada. A carta foi comprada por um escritor amador."

Dantas Varn, 09/04/2017

Por favor, faça como Jane, salve uma vida! Ensine o que é empatia, aprenda a senti-la com sinceridade. Ame com todas as forças de sua alma e coração, o Dane de sua vida, antes que seja tarde demais!

Ver todos os dias como se fossem os mesmos, é o primeiro estágio. Pensamos que há fardos que só nós devemos carregar, isto é certo, porém que não deixemos eles pesarem demais, pois podem nos levar à um estado deplorável, onde não vemos sentido em amar, em sermos empáticos, e posteriormente em viver. Isso causa a morte da alma! Amar pode ser a cura para isso, todavia, chega a um ponto que até o amor tem dificuldades em nos consertarmos. Não deixe que a inércia tome conta de ti!

Abstract Androgynous
Enviado por Abstract Androgynous em 09/04/2017
Código do texto: T5966018
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