O CARA MAIS MENTIROSO DO MUNDO
Encontrar-me com o Emílio tudo bem, nada de mais, todavia, encontrar-me com ele em pleno primeiro de abril, sinceramente, é o fim da picada. Fazia mais ou menos uns quinze anos que eu não o via. Havíamos trabalhado juntos em uma empresa ali no bairro do Ipiranga e depois que sai dali nunca mais tive notícias dele. E agora, em pleno primeiro de abril, dar de cara com aquele que, ali na empresa, era considerado o cara mais mentiroso do mundo parece até história de pescador.
Imagine um cara mentiroso! Pois bem, se você imaginou, multiplica por dez, sim, era exatamente isso o nosso amigo Emílio. Diziam que nesse mundo cada um nasce com um dom, e que o Emílio havia nascido com o dom de ser o maior mentiroso do mundo.
Há alguns meses atrás encontrei um outro colega, que morava próximo a casa do Emílio e através dele fiquei sabendo que o Emílio não estava nada bem. Ele tinha sido operado de um câncer da próstata e que estava bem mal e quando vi aquele senhor entrando ali na lanchonete, quase que se arrastando com o auxílio de uma bengala eu sinceramente me penalizei. Detive-me diante daquela cena até certo ponto chocante de uma pessoa totalmente pálida e cadavérica, que mal conseguia se locomover. A princípio eu não o havia reconhecido e só depois de alguns minutos olhando atentamente para aquela figura moribunda a minha frente é que finalmente caiu e ficha e vi que era o Emílio. Ele pediu um suco de laranja e sentou-se em uma mesa a minha frente e assim que eu o reconheci, levantei-me e dirigi-me até onde ele estava sentado e o chamei pelo nome. Com muita dificuldade ele se virou tentando ver quem o havia chamado. Com o olhar fundo e bastante debilitado fitou-me por alguns segundos e com muita dificuldade balbuciou o meu nome.
----Ivanzinho?
----Grande Emílio! Há quanto tempo!
Ele tentou se levantar, porém não conseguiu. Percebi que as pernas já não lhe obedeciam mais. Peguei em suas mãos e o ajudei a levantar-se. Ele me abraçou fortemente e percebi no brilho dos seus olhos uma lágrima que brotava lentamente do açude raso de sua alma.
-----Pucha vida Ivanzinho, eu acho que eu não o via há mais de quinze anos!
----Verdade Emílio, depois que eu sai da firma nunca mais nos vimos! Mas como é que você está?
Ele olhou-me por alguns segundos e depois respondeu:
----Ivanzinho, você pode até não acreditar, mas eu estou bem pra cacete! Vou fazer 73 anos no mês que vem e todos os dias eu corro em torno de dez quilômetros! Duas vezes por semana pratico natação! Três vezes por semana treino capoeira! E nas horas vagas vou com a minha namorada de 18 anos para um hotel perto de casa e dou três ou quatro sem tirar de dentro!
Permaneci por alguns segundos em silêncio, preferindo não comentar nada, pois sinceramente, diante da própria imagem do cavalheiro da triste figura a minha frente, não havia a menor possibilidade de acreditar em nada daquilo. Ele, percebendo a minha nítida expressão de incredulidade, abriu um sorriso largo no rosto, talvez um dos últimos de sua vida e completou:
----Primeiro de abril seu trouxa! Você esqueceu que hoje é o dia da mentira! Pra falar a verdade eu estou é mais fodido que peru em véspera de natal!
Tentei consolá-lo, porém ele descartou qualquer possibilidade de recuperação, pois a doença já estava em estado bastante avançado e ele simplesmente se conscientizara que tinha pouquíssimo tempo de vida.
Conversamos por mais alguns minutos e me despedi, pois tinha um compromisso inadiável naquele dia e já estava meio atrasado. Ele me abraçou fortemente e ao invés de um até logo deu-me um adeus.
De dentro do ônibus, amparado por uma bengala, ainda o avistei se arrastando lentamente pela calçada em direção contrária. E naquele primeiro de abril, dia da mentira, foi a última vez que eu vi o Emílio, o cara mais mentiroso do mundo.