O Desenhista - Capitulo 4: O Caderno
Na manhã seguinte Alice acorda ainda um pouco cansada. Tudo que havia passado ontem vinham em flashes em sua mente. A maneira como Rodrigo olhava com desejo a garota da ONG. Levanta como se estivesse de ressaca, mesmo sem se quer ter bebido. Toma um banho. Veste a primeira roupa que encontra no armário. Um perfume leve, uma maquiagem suave. Come um sanduíche e toma um café rápido, enquanto arruma seu almoço. Antes de sair pego o tão importante caderno. E segue para o trabalho. Quando chega, de longe já avista Rodrigo que a esperava na porta, aparentemente ansioso, andando de um lado a outro.
“Trouxe? Não esqueceu não é?” – diz apressado Rodrigo.
“Oi Rodrigo. Tudo bem? Bom dia para você também! Dormiu bem? Eu dormi feito um passarinho.”
“Buenos días Alice. Desculpe minha maneira. É que estava ansioso. Achei que pudesse esquecê-lo.”
“Aqui está seu companheiro. São e salvo. Não se preocupe que não aconteceu nada com ele. Eu sempre cumpro com minhas palavras! – diz Alice tentando parecer mais séria.
“Gracias! Mas não aconteceu nada mesmo? Será que uma certa Alice não ficou muito tentada e o leu? Não me incomodaria se lesse, mas sim que não me contasse. – pergunta ele, olhando profundamente em seus olhos.
“Ahahahahaha. Não falaremos mais nisso. Ok? E vamos que devem estar todos nos esperando.
Eles entram. Rodrigo não se sente muito satisfeito com a resposta, não acreditando muito no que ela disse. De fato todos os esperavam. Alice e Rodrigo passam a manhã contando tudo que viram na ONG. Terminada a apresentação eles resolvem fazer uma parada estratégica para o almoço. Quase todos inclusive Rodrigo resolvem sair para comer fora. Alice como havia levado comida, fica. E sua colega Ana também resolve ficar e pedir algo por telefone.
“Nossa Alice! Ontem você me disse que o Rodrigo só tinha olhos para a tal garota da ONG. Queria saber que milagre você fez, eu também quero! Hoje ele não tirou os olhos de você um minuto se quer.”
“Agora você vai dizer que ele também está interessado em mim?! Queria saber o que você anda tomando no café da manhã, definitivamente não está te fazendo bem. Estávamos apresentando o que vimos ontem. Normal ele me olhar, para complementar o que estava dizendo. Você e essa cabeça, só vê coisas onde não tem!
“Ah tá! Vai me dizer que não rolou nadinha ontem no almoço na sua casa!? Vou fingir que acredito. Você é que não reparou: ele estava te fulminando com os olhos.
“Acontecer?! Acordamos com as galinhas. A viagem foi longa. Passamos o dia andando feito camelôs no sol. E você ainda acha que aconteceria mais alguma coisa! Bom, para não dizer que não aconteceu nada, ele esqueceu um caderninho de anotações em casa, só isso.”
“Ah, ta vendo! Falei! E ai me conta tudo! É claro que você não resistiu, né? O que aquele gato tanto escreve? Fala da gente? Já que diz tanto que não está interessada nele, acho que vou investir. Fora do horário de trabalho é claro.”
“Nossa olha só o que pensa de mim!! Acha mesmo que eu leria algo tão pessoal assim? E suponhamos que eu tivesse lido, você seria a ultima pessoa que eu contaria.”
“Nossa muy amiga você!!”
“Sorry! Falei de brincadeira. Mas, saiba que ele parece ser uma pessoa muito bacana, eu não contaria. Até porque, se está mesmo interessada nele, chega até ele e pergunta o que quer saber. Mas, pelo que eu vi ele gosta é de morenas, mas quem sabe. – diz Alice parecendo não acreditar muito no repentino interesse a amiga.
“Ah é assim! E o companheirismo Feminino fica onde? – assim que ela ia responder, Rodrigo chega e comenta:
“Aposto que conversavam sobre nós homens? Se era, saibam de uma coisa: nos dificilmente ficamos escondendo o jogo. Diferente de vocês mulheres. Juro que nunca vou entender isso. Muito mais fácil ser direta e sincera. O máximo que vocês podem ouvir é um não!”
“Vocês falam da boca para fora, Rodrigo! Aposto que se eu for direta com você, comentaria com seus amigos que sou atirada demais.” – diz Ana desafiando o rapaz.
Alice não sabe muito que dizer. Pensando que as palavras de Rodrigo de alguma forma seriam como indiretas.
“Tem muita gente tímida, como eu por exemplo, que não sabe ser direta assim como você diz. – diz Alice cheia de coragem e ímpeto.
Ele parece não prestar muita atenção no que ela diz, só conseguindo pensar que ela poderia ter mentido e agora saberia muito sobre ele. Eles continuam com o trabalho. Rodrigo não consegue desviar os olhares de Alice, que sente-se muito desconfortável com a situação. Terminado o expediente, Alice resolve fazer hora, demora guardando suas coisas e começa uma arrumação em suas papeladas na mesa. Rodrigo passa por ela, já pronto para sair e diz:
“Funcionária exemplar! Trabalhando até fora do horário? Não vai me acompanhar? Vou ter que ir sozinho... Justo hoy que queria tanto conversar.”
“Olha só, não sabia que gostava tanto de minhas conversas! Fico contente em saber. Mas, não foi o que pareceu ontem. Ah... desculpe... É que sou muito bagunceira. Às vezes preciso tirar um tempo para dar uma organizada em tudo. Se não depois não me encontro. Hoje terá de ir sozinho. Mas acho que já sabe o caminho de cor e vai aguentar numa boa.”
O rapaz se despede visivelmente desapontado. Ana que estava próximo deles não resiste e comenta:
“Nossa! Que fora deu nele amiga! Parece até que estava fugindo. Ele deve estar se sentindo tão sozinho... acho que vou fazer companhia. Fuiiiii!! Tchau!”
Ana sai correndo para alcançar-lo. Alice não gosta nem um pouco do repentino ‘interesse’ de sua amiga, que parece ser apenas para mexer com ela. Mas, como realmente não queria falar com Rodrigo, resolve ficar. Terminada as coisas, sem pressa, ela segue para casa. Enquanto isso, Ana pega o ônibus junto com Rodrigo. Ela tinha de passar em um lugar, que de metrô seria muito mais rápido, e hoje era dia do rodízio de seu carro.
“E ai Rodrigo, me conta, está gostando de São Paulo? Quem sabe não resolve ficar mais!”
“Ah sí, estoy gostando muito de conocer. Pena não estar saindo muito. Gosto muito de ir a shows, exposições e parques. Aqui se vive em meio a tanta correria que pouco aproveito. Quanto a ficar, não vai dar mesmo, partirei no meio do ano. Tive uma proposta ótima no Rio.”
“Irrecusável? Aposto que não!? Mas, imagino que aquela cidade para vocês homens deva ser a visão do paraíso.”
“Jajajaja. Então... meu amigo me disse ser lindíssima, a cidade é claro. Queria muito fazer uma série de desenhos lá, além do trabalho.” – responde Rodrigo tentando desconversar o assunto.
“Desculpe o comentário. Vejo que tem bons motivos! Boa sorte em sua empreitada! Quem sabe não nos encontramos. Vou passar férias na casa e uma amiga lá.”
“Bacana! Podemos combinar.”
Eles descem do ônibus e pegam o metrô. E continuam o papo falando sobre amenidades. Enquanto isso, Alice já chegou em casa, indo direto para um banho mais que almejado. Precisava relaxar e tentar colocar as idéias em ordem. Não conseguia parar de pensar em tudo que Rodrigo havia dito. Será que seriam mesmo indiretas? Terminado, veste um pijama fresquinho e resolve ficar um pouco na preguiça, vendo bobagens na televisão. Queria se distrair ao máximo e não pensar mais em Rodrigo. Assiste trechos de um programa de culinária com um bonitão, que por infeliz coincidência tinha o mesmo nome dele. Resolve mudar, passa para um canal de viagens. Estava terminando um documentário sobre templos budistas na Ásia e seus Budas gigantes. Lugares mágicos que transmitiam tanta paz. Em seguida, começa um sobre magníficas construções milenares, lugares fantásticos na América Latina e seus povos. O primeiro a aparecer é o sistema de irrigação na Cordilheira dos Andes. Alice fica maravilhada com lugares que nem imagina existirem. Ela se encanta com a Bolívia, com paisagens como o Salar de Uyuni, um deserto de sal, uma das mais belas e enigmáticas, Laguna Verde, uma lagoa belissima. E com Tiwanaku um importante sítio arqueológico pré-colombiano, patrimônio histórico cultural. São países de culturas tão ricas e povos tão sofridos, mas com tanta garra e humanidade. Por mais que tentasse não pensar em Rodrigo, tudo a todo o momento a fazia lembrar ele. Seu sotaque castelhano gingado, seu tom moreno de pele, seu sorriso contagiante. Tudo nele era único. De alguma forma a marcaram muito.
“O que está acontecendo comigo? Justo agora que eu deveria estar concentrada em meu trabalho, nesse projeto que é tão importante para minha carreira. Não posso me apaixonar! Não posso e não vou!! E outra, aposto que nem faço o seu tipo. Mas o que vai ser quando ele for embora? Ele diz que não vai ficar e eu sei que ele não vai. Mas, ai... ai... é que ele é tão livro!”
Alice pega no sono com todos esses pensamentos em consumindo sua mente. Enquanto isso, Rodrigo em casa, já havia tomado banho e comido alguma coisa. Sentado a escrivaninha folheava seu caderno na tentativa de achar vestígios de que ela o poderia ter lido. Olhava atentamente a cada detalhe. A única coisa percebível era o perfume suave de Alice, que parecia ter deixado marca. Mas, isso, com o simples toque ao guardar-lo, poderia ter deixado. O fato de ela poder ter lido, mesmo sendo escritos pessoais, era algo que normalmente não o incomodaria. Mas, por algum motivo, que não sabia bem qual, com ela era diferente. Sem grandes êxitos, resolve ler um livro e ouvir um pouco e música. Quando de repente toca seu cel:
“Hola! E ai Cabron como estas? Sumiu!”
“Hola. Bien y tu? Yo... trabalhando... trabalhando... Sabe que preciso juntar grana para ir ao Rio. Mas sabe que estava conversando ontem com uma colega, estou sentindo falta de sair, ir a shows, museus, etc... Às vezes acordo bem cedo só para poder caminhar no Ibirapuera. Sinto-me novo.”
“Só você mesmo Rodrigo! Fala sério, acordar cedo para isso? Precisa sair mais para beber, isso sim. Conheci uma gata e ela tem umas amigas solteiras, falei de você, que tal amanhã, sexta?”
“Você e as chicas. Só pensa nisso cabron!? Mas bem que estou precisando sair. Aceito, mas sem compromisso. E nem pensar em dizer que eu estou sozinho. Não quero me envolver agora com ninguém, ouviu? Ninguém!”
“Ah ta. Agora você vai me dizer que não pensa? Você só pensa! Está precisando desenhar menos e fazer mais, que me diz das belas desnudas que você desenha? Enfim! Amanhã às 23h aqui em casa.”
“Não falemos mais nisso. Às 23h.”
Eles desligam e Rodrigo continua a ler seu livro. Mas estava agitado e dado à hora estava estranhamente sem sono. No meio da madrugada, Alice acorda meio sonolenta e com muita fome. Levanta e lembra-se que pegou no sono e não jantou. Vai até a cozinha, faz um tostex, pega um copo gigante de leite e senta-se a mesa. Degusta sem pressa alguma, como se aquele sanduíche fosse ultimo da face da terra. Acabado, sente que o lanchinho não serviu para matar sua fome. Assim tendo que fazer outro. Acompanhado de outro copo de leite. Parecia que não comia bem há dias. Terminado, volta à cama, mas o sono parecia querer fugir. Agitada, vira-se de um lado a outro. Sentia um calor fora do comum, que a queimava por dentro. Rodrigo em sua casa também acordará. Mesmo sem camisa, seu corpo moreno, estava banhado em suor. Não conseguia voltar a dormir. Levanta e toma uns três copos de água gelada, para ver se refrescava. O que não ajudou grande coisa. Resolve tomar uma chuveirada. Tira sua única peça de roupa, abre o chuveiro ao máximo. Entra. Deixa a água cair gostosa em seu corpo ardente. Sentindo o deslizar macio em sua pele. Assim, refrescando seu corpo e abrandando sua alma. Enquanto isso, Alice levanta de novo, dessa vez liga o ventilador e volta à cama. Tenta começar um mantra baixinho. Não havia o que fizesse passar sua agitação e calor. Em sua mente detalhes importantes de seu trabalho se alternavam a imagem de Rodrigo. Seu rosto, seu sorriso, seu corpo e sua alegria...
“Como vou encarar Rodrigo amanhã? O que ele irá pensar de mim? Que sou boba? Tarada? Que saio mentindo por ai! Preciso não pensar, dar um jeito de não o ver mais em minha mente. Não nesse momento e não Rodrigo.”