Bullies
Marsha olhou pela décima vez para a tela do celular. Nenhuma resposta ainda, mas o sinal da operadora havia caído. Estava em pé, no vagão lotado do metrô rumo ao Centro, sentindo-se vagamente idiota por estar vestindo um tailleur preto um número maior do que o seu - mas não tinha roupa adequada para ir à entrevista de emprego, e tivera que pegar emprestada uma roupa da mãe. Pior seria, pensou, se não tivesse de quem fazer empréstimo. Cindy, talvez... mas Cindy era mais baixa do que ela - e mais cheinha. Melhor mesmo ir com o tailleur da mãe.
O trem parou numa estação e dois rapazes altos, brancos, cerca de 25-30 anos, embarcaram. Ambos vestiam calças jeans e tênis gastos. Um deles, barba por fazer, estava com uma camiseta preta da banda Angry Aryans, enquanto o outro vestia uma camisa xadrez de flanela vermelha. Pareciam dois fracassados e Marsha não lhes teria dado maior atenção se não houvessem parado justamente em frente a uma das portas, ao lado de uma mulher de cerca de 30 anos que estava sentada na extremidade de um dos bancos. A mulher usava um vestido longo, azul real, e um hijab púrpura, cobrindo a cabeça e os ombros.
- Ei, olha só essa terrorista - disse o rapaz de camiseta preta, em voz alta, chamando a atenção de todo o vagão.
- Deve estar levando uma bomba debaixo do vestido - completou o outro em tom irônico.
A mulher encolheu-se no banco, visivelmente intimidada. Os outros passageiros apenas olharam de soslaio, ou desviaram o olhar da cena. Vendo que ninguém iria tomar uma atitude, Marsha respirou fundo, ajeitou o tailleur, guardou o celular no bolso e posicionou-se bem à frente da mulher muçulmana.
- Oi, tudo bem com você?
A mulher encarou-a com ar de quem pede socorro, mas balançou positivamente a cabeça. Os dois rapazes a olharam com raiva, mas foram solenemente ignorados.
- Gostei do seu véu - prosseguiu Marsha, sorrindo e tentando manter-se tranquila. - Onde o comprou?
- Na Harrods - respondeu a mulher, com um distinto sotaque britânico.
- Por que esses sebosos têm que sair do país deles e virem pro nosso, tomar nossos empregos? - Disse o rapaz de camiseta preta.
- Porque o nosso governo é comunista! - Exclamou o outro.
Marsha continuou a fazer contato visual com a mulher, tentando transmitir-lhe calma e desviar sua atenção dos dois inconvenientes.
- É muito bonito - continuou Marsha. - Deve ser difícil de colocar, parece que dá várias voltas... mas o resultado final é muito bonito!
A mulher finalmente abriu um sorriso. Estava dando certo!
- Não é tão difícil assim... é mais uma questão de hábito. Se você tiver tempo, eu posso lhe ensinar...
- Sim, eu gostaria! É muito elegante... como é mesmo o nome?
- Hijab.
- Sim, hijab! Sabia que já tinha ouvido a palavra!
A conversa prosseguiu animadamente por mais algumas paradas, até que a dupla de valentões cansou de ser ignorada e desceu, resmungando. O lugar ao lado da muçulmana vagou, e Marsha sentou-se ao lado dela. Tocou levemente em seus ombros, e perguntou:
- Você vai ficar bem? Quer que lhe acompanhe quando sair?
A expressão no rosto da mulher era de pura gratidão.
- Nem sei como lhe agradecer...
- Marsha.
- Prazer. Eu sou Fatima.
Apertaram-se as mãos, sorrindo.
- Preciso descer na próxima estação, Marsha... posso ir só, vou ficar bem. Mas não sei o que poderia ter acontecido se você não tivesse vindo em meu socorro!
- Todas temos a obrigação de nos defender, irmã - respondeu ela.
Fatima deu-lhe um abraço emocionado. O trem estava parando. Ela ergueu-se e saiu rapidamente do vagão.
Marsha relaxou, sentindo uma maravilhosa sensação de dever cumprido. Depois, olhou pela janela em frente, para a placa que indicava a estação onde estava.
Havia passado do Centro.
[29-03-2017]