Alienação
“Vamos falar de pesticidas
E de tragédias radioativas
De doenças incuráveis
Vamos falar de sua vida”
Natália, Legião Urbana
Talvez por meditar em demasia sobre aquilo que se convencionou designar como sonho, considerasse a possibilidade, ainda que como vislumbrar jardins suspensos, de se admirarem como poesias simbióticas sob o arranjo musical de estrelas que ao lançar de dados da porventura já estejam extremamente fatigadas, consumidas por aquilo que a tudo acaricia - a finitude.
Há uma modalidade singular de cifonismo contida na dinâmica que pluga lábios, não importa o quanto nos vistam de advertências os cenobitas de Clive Barker.
Mutilando um do outro versos que fogem ao cálculo, numa tonalidade apreensível apenas por ouvidos absolutos engatilhados contra a cabeça da dimensionalidade. A temporalidade escorre sobre a superfície ruidosa de uma página branca como um tecido conjuntivo líquido que circula pelo sistema vascular em animais com sistemas circulatórios fechados - que utopia!
O desejo maquínico designado ilusório ao nascimento, lhe entorpece interpenetrando os seus fragmentos coroplasmáticos anucleados como guerras, donde os coágulos de capacidade metacognitiva se voltam contra si, derramando sangue.
A retina se encontra ferida pelas luzes que insurgem violentamente contra o objeto em questão, e, no reflexo defensivo das suas retinas, esbarra-se com o fato de também ser objeto. A sensação de pertencimento a uma topografia de segurança proveniente da certeza se contrai, a ponto de se romper em estilhaços que lhe ferem mais ainda, deixando em seu sistema tegumentar notáveis marcas de contentação com a dor.
Diagnosticado o corpo com um vírus que lhe toma de assalto todos os sistemas, os desmantelando e provocando falência múltipla dos órgãos, se põe diante da suntuosa pulsão de morte.
This is the way, step inside.
Desvencilhar-se dos determinismos, abandonar qualquer prognóstico que sugira um retorno às origens, infringindo as texturas oceânicas que consternam com egoísmo masoquista. Uma vida sem âncoras. Constata-se: viver não é preciso.
Um regime necrocrático se instaura. No fim das contas, por quem estamos em guerra? A quais “eus” se destinarão os suplícios? Viver trata-se de aglomerado de realizações cirúrgicas de alto risco, nas quais a infeccionalidade varia em nível, despojada de qualquer possibilidade de cura. Nenhuma remoção de um “eu” estratificado, qualquer que seja, apresentará resultados desprovidos de efeitos colaterais. A alteração de consciência se trata de um dos frutos das ramificações dos troncos do sistema arborescente mitofísico. Não há consciência que não se encontre alterada desde o momento em que o corpo se contaminou pela primeira vez. Repudiam-se as drogas “de coturno e farda”, mas não as carismáticas, flutuantes na tinta que tatua o papel.
O que torna legal o uso de drogas que coexistem sob o conceito de “lei”? Dentre os medicamentos de tarja preta que cuja funcionalidade se trata de regular desejos, não se encontrariam também as identidades “pai”, “mãe”, “irmão”, “irmã”, “amigo”, etc.? A posição de “aquele que luta pelos indefesos” não comportaria algo de analgésico a algum sintoma de fascismo platônico?
This is the way, step inside.
Na tentativa de uma prudência, sofre-se de hemiplegia. Exercita-se a paciência como ofício do escrivão de cartório. Cada movimento se permite capturar pela burocracia do arranjamento do possível. A fuga se torna então um caminhar para a prisão. Uma cortina de ferro desceu sobre o continente. Houve um imponente desejo de ficar em febre a tarde inteira. Fez-se uma descentralização parcial da economia de fluxos, e as suas demais interconexões se mostraram ruidosas. Uma febre lhe tomou, tornando a sua concentração algo dispersa.
A mosca que repousou sobre a sua mão se retira de maneira graciosa, manipulando o ar a seu favor. Resultante dos cálculos que lhe foram apresentados pela falocêntrica certitude das coisas, o complexo de Cassandra. Aceitara a morte.
Dedicado aos supercílios de G.P.