Espécime
Ao primeiro acorde, ele se levantou. Olhou para um lado, até os olhos alcançarem a pista de dança. Girou a cabeça em direção oposta e, como um parafuso enferrujado com dificuldade para desenroscar, repousou o olhar sobre uma dama.
O dia esconde o que a noite mostra. O despertar dos golfinhos e saída para o alto mar, ao adormecer do sol. Os machos navegam à flor da água, passam rente aos barcos, saltam e giram no ar em proteção às fêmeas e filhotes. Não seria exibição?
Não era qualquer uma, era Joselda. Os amigos a chamam de Jô. Mulata de uns trinta anos, onde o castigo do tempo na penúria de uma vida modesta desfila na expressão de sofrimento no olhar. De pé, foi alvo das atenções. Cabelos esticados, salto alto, vestido curto e apertado de cor bege e sandália a reluzir nos enfeites dourados.
Os olhares foram subindo, subindo e subiram até escalar as pernas torneadas e firmes, dois terços de coxas roliças e passear pelos quadris, indo repousar sobre o busto desprotegido de sutiã e ali, estacionar. O decote raso, com fenda em forma de losango entre os seios maciços, era cela de cadeia sem gradil, a prender na garganta da torcida, o grito de gol.
Ela saboreava a oportunidade, degustava os olhares masculinos, esnobava os femininos e, paciente, esperava a chegada do cavalheiro. Ele houvera partido em sua direção, mas não chegara, ainda deslizava entre as mesas como lesma em solo úmido, despreocupado do tempo e desfrutando a umidade condutora da efêmera energia. Cumprimentou a moça com um gesto de cabeça, segurou-lhe a mão e, no mesmo deslizar, seguiram para a pista.
Lá, dançarinos conduziam senhoras à execução dos primeiros cruzados, pivôs e giros. – Besame, besame mucho, como se fuera la última vez... A música estava na voz de um boliviano e a noitada, no início.
No salão, envolvidos pelo abraço, os corpos se ajustam. Eleva o braço da parceira às alturas e no repouso da cabeça sobre os seios, finca grade no xadrez e transforma o grito de gol em quimera. O corpo se contorce, sobe e desce como se viajasse por estrada acidentada e, entre as derrapagens, derrama a libido.
O figurino, calça jeans, tênis e camisa de mangas curtas, não ensacada. Mas, qual a razão do número três às costas? Às onze da noite, o boné, virado para trás como em adolescentes e rugas de expressão de uns setenta anos se digladiam em rodopios, até a música viajar para Bueno Aires. – Por una cabeza metejón de un dia de aquella coqueta y risueña mujer...
Deixava o salão quando trocamos olhares e me lançava à pista de dança. Findo o bloco de tangos e sambas, retorno à mesa. Surpreso, vejo levantar-se e vir em nossa direção. – Vem tirar você pra dançar. – Santo Deus, terá tamanha ousadia?
Ele chega, levanto-me para os cumprimentos e o convido a sentar-se. – Vim parabenizar o casal, dançam bem. Você é linda, ele acadêmico. Sou médico e dono desse restaurante. A dança não atrai clientes, dá prejuízo. É meu capricho e, não sei até quando, por um espaço de boa música para dançar.
Retorna à sua dama e ao salão. Em silêncio e reflexão, o acompanhamos com os olhos por minutos e de súbito, recolhemos o olhar. Um sorriso salta de nossos lábios, enquanto pronunciamos em voz uníssona. – Golfinho!
Ao primeiro acorde, ele se levantou. Olhou para um lado, até os olhos alcançarem a pista de dança. Girou a cabeça em direção oposta e, como um parafuso enferrujado com dificuldade para desenroscar, repousou o olhar sobre uma dama.
O dia esconde o que a noite mostra. O despertar dos golfinhos e saída para o alto mar, ao adormecer do sol. Os machos navegam à flor da água, passam rente aos barcos, saltam e giram no ar em proteção às fêmeas e filhotes. Não seria exibição?
Não era qualquer uma, era Joselda. Os amigos a chamam de Jô. Mulata de uns trinta anos, onde o castigo do tempo na penúria de uma vida modesta desfila na expressão de sofrimento no olhar. De pé, foi alvo das atenções. Cabelos esticados, salto alto, vestido curto e apertado de cor bege e sandália a reluzir nos enfeites dourados.
Os olhares foram subindo, subindo e subiram até escalar as pernas torneadas e firmes, dois terços de coxas roliças e passear pelos quadris, indo repousar sobre o busto desprotegido de sutiã e ali, estacionar. O decote raso, com fenda em forma de losango entre os seios maciços, era cela de cadeia sem gradil, a prender na garganta da torcida, o grito de gol.
Ela saboreava a oportunidade, degustava os olhares masculinos, esnobava os femininos e, paciente, esperava a chegada do cavalheiro. Ele houvera partido em sua direção, mas não chegara, ainda deslizava entre as mesas como lesma em solo úmido, despreocupado do tempo e desfrutando a umidade condutora da efêmera energia. Cumprimentou a moça com um gesto de cabeça, segurou-lhe a mão e, no mesmo deslizar, seguiram para a pista.
Lá, dançarinos conduziam senhoras à execução dos primeiros cruzados, pivôs e giros. – Besame, besame mucho, como se fuera la última vez... A música estava na voz de um boliviano e a noitada, no início.
No salão, envolvidos pelo abraço, os corpos se ajustam. Eleva o braço da parceira às alturas e no repouso da cabeça sobre os seios, finca grade no xadrez e transforma o grito de gol em quimera. O corpo se contorce, sobe e desce como se viajasse por estrada acidentada e, entre as derrapagens, derrama a libido.
O figurino, calça jeans, tênis e camisa de mangas curtas, não ensacada. Mas, qual a razão do número três às costas? Às onze da noite, o boné, virado para trás como em adolescentes e rugas de expressão de uns setenta anos se digladiam em rodopios, até a música viajar para Bueno Aires. – Por una cabeza metejón de un dia de aquella coqueta y risueña mujer...
Deixava o salão quando trocamos olhares e me lançava à pista de dança. Findo o bloco de tangos e sambas, retorno à mesa. Surpreso, vejo levantar-se e vir em nossa direção. – Vem tirar você pra dançar. – Santo Deus, terá tamanha ousadia?
Ele chega, levanto-me para os cumprimentos e o convido a sentar-se. – Vim parabenizar o casal, dançam bem. Você é linda, ele acadêmico. Sou médico e dono desse restaurante. A dança não atrai clientes, dá prejuízo. É meu capricho e, não sei até quando, por um espaço de boa música para dançar.
Retorna à sua dama e ao salão. Em silêncio e reflexão, o acompanhamos com os olhos por minutos e de súbito, recolhemos o olhar. Um sorriso salta de nossos lábios, enquanto pronunciamos em voz uníssona. – Golfinho!