Mochileira

Conheci Marisa no café da manhã do hostel. Cheinha, óculos de grau, cabelinho preto cortado bem curto e um sorriso cativante. Fiquei com o pé atrás no início, mas ela usava uma grossa aliança de ouro na mão esquerda. Não que isso signifique muita coisa em pleno século XXI, mas em seguida ela falou do marido.

- As nossas férias não coincidiram esse ano. Normalmente, a gente viaja junto, mas como eram só dez dias, ele me disse que aproveitasse e fosse para algum lugar legal sozinha.

- É a primeira vez que viaja sozinha?

- Depois que nos casamos? Sim! Bom, não faz muito sentido estar casada e não aproveitar as férias juntos, não é?

Tive que concordar.

- Por outro lado, - prosseguiu ela, servindo-se de mais leite - viajar com alguém significa fazer um compromisso com coisas que você não necessariamente gosta... ou não gosta tanto.

Por exemplo?

- Por exemplo, museus. Meu marido adora um museu, é capaz de ficar horas discorrendo sobre uma determinada peça ou um quadro. Eu gosto, mas prefiro atividades ao ar livre, andar, conhecer lugares novos, ver gente!

Tive que dar razão à ela, e acrescentei minha própria experiência:

- Eu trabalhei muitos anos no mercado de ações, daí juntei uma grana e um belo dia resolvi botar o pé na estrada. Virei mochileira. Não é só você não ter que viajar acompanhada, é se acostumar a viver com pouco.

Não era tão pouco assim, tenho que reconhecer. Da última vez em que a pesei, minha mochila registrou 12 kg!

- E você não sente falta da família, não tem alguém?

Não, eu não deixara ninguém para trás nem lamentava não tê-lo feito.

- O que é legal nessa vida nômade, Marisa, - disse eu, passando manteiga numa tapioca - é que você pode acordar num horizonte totalmente diferente amanhã. Nunca poderei reclamar de monotonia ou que minha vida se resume a quatro paredes. E um dia, quem sabe, em algum lugar que está à minha frente, no tempo e no espaço, vou encontrar um bom motivo para ficar e não partir mais.

- Vai aposentar a mochila? - Disse Marisa, sorrindo.

- E talvez arranje umas malas - respondi, mordendo a tapioca.

[16-03-2017]