A Quadratura do Círculo-cap. 35

Voltei ao meu trabalho de rotina, a tradução da Odisseia de Homero, direto do grego; a editora me cobrava e, já queria a Ilíada também, embora nem tivesse terminado o outro trabalho; sempre fui autodidata; nunca tive uma educação formal; quer dizer, fiz até o Ensino Médio, porém gostava de ler livros por conta própria , muitos desses que meu pai colecionava. Entre esses havia uma Gramatica Latina com exercícios de declinação “qui, quae, quod”-quá,quá,quá, como muitos brincavam e um dicionário de grego clássico; passava horas estudando Latim e Grego, enquanto outros ficavam caçando as meninas do bairro; isso me deu algumas vantagens, embora meu pai vivesse falando” vá jogar bola como os outros!”.

Disse que me deu vantagens, pois são pouquíssimos que sabem traduzir grego clássico, o que valeu um contrato com a editora ; estavam loucos para encontrar alguém que traduzisse diretamente do grego e que não fizesse uma versão traduzida do francês, porém isso resultou, como não poderia deixar de ser, a pecha de sujeito estranho, que sempre levei, mas não estava nem aí! Essa vantagem era relativa, pois outros, como Rufino, que mal abriram um livro na vida, ganhavam milhões, só de preverem que a ação tal vai subir dois pontos ou vai descer. E eu aqui quebrando a cabeça entre um supino e um ablativo da terceira declinação!

Sempre me diziam: ”por que você não faz uma faculdade?”. Respeito quem as faz; podem aprender muito, mas a maioria só quer pendurar o diploma na parede e dizer: “estudei não sei onde e me especializei em orifício auditivo externo”. Uma vez me inscrevi para um curso de verão: “os prolegômenos a uma teoria epistemológica do ser em si”; o nome era pomposo, o curso mais ainda; o palestrante usava suspensórios e gravata-borboleta; parecia que ele falava em grego e não eu! Saí correndo!

Mas no mercado as pessoas querem saber se você é capaz de fazer as coisas e, os diplomas só são exigidos quando são uma obrigação formal do governo. Fazia bem meu trabalho e não havia queixas.

E estava na lida, quando me deparo, folheando aleatoriamente um jornal, com uma reportagem:

“Apolônio, o novo fenômeno da autoajuda”

Embaixo, uma foto do indivíduo, numa pose de intelectual, que não era em absoluto e, um texto com algumas de suas “perólas”: “se nos esforçamos, vamos seguindo, rumo ao infinito!”. Só faltava o cachimbo na boca. O filho da mãe tinha conseguido; uma grande editora de best-sellers tinha se interessado pelas suas obras; um misto de frases de incentivo para o dia-a-dia e pensamentos que tinha pegado dos autores que lia. Parece que já tinha vendido umas 400 mil cópias!

Volto eu então a fazer essas coisas insignificantes, como traduzir Homero, publicar para uma editora universitária de pequena tiragem , em que meu pai tinha alguns conhecidos. É a vida!