AQUELA BERLINETA VERMELHINHA...
O pequeno Teófilo, à época com 10 anos de idade, lembra-se muito bem dela. Era uma réplica fidedigna do primeiro carro esportivo totalmente fabricado em território nacional.
Era vermelha, da mesma cor das velozes e cobiçadas Ferraris das décadas de 60 e 70. Tinha “barra de santo antônio”, alargadores nas rodas traseiras e, impressionava pelo porte e design arrojado. Todavia, faltava-lhe potência. Era sempre o último carro a cruzar a linha de chegada.
(...) Também pudera, competia com as mais sofisticadas e velozes réplicas das máquinas sobre rodas de então... os temidos Porsches, as imbatíveis Ferraris, Corvetes, Mercedes, Lamborghinis e Masseratis, entre outras máquinas maravilhosas...
No entanto, isso parecia ser o que menos incomodava o pequeno Teófilo, pois, agora, graças à iniciativa do querido e saudoso tio Emanuel, o pequeno Teófilo também era um feliz proprietário de um carrinho de corrida.
Teófilo já podia competir com os outros guris da turma na mesma pista de autorama, a sensação das ludotecas e das “casas de diversões” daqueles magníficos anos dourados...
Dada a largada, lá ia a Berlineta vermelhinha tentar, de alguma forma, surpreender aquelas máquinas maravilhosas...
A pista, réplica de um autódromo de verdade, com boxes, áreas de escape e guard-rails, ficava montada na casa do Almeida, recém-chegado ao Bairro de Indianópolis, ali, na região sul da cidade de São Paulo. Almeida e família moravam em uma residência moderna para os padrões da época. Localizada em meio a gigantescas figueiras, pés de ipês, resedás e quaresmeiras, a casa, recém construída, ficava ali na Avenida Irerê, famosa por suas árvores e residências de alto padrão.
Era 1968. Era para ser apenas mais uma ensolarada manhã de um sábado qualquer...Vovó Celeste, ao constatar a angústia do pequeno Teófilo, e, valendo-se de toda a sua autoridade de matriarca, ordenou que o seu filho mais novo, o tio Emanuel, lhe comprasse um carrinho para que o seu netinho, o pequeno Teófilo, também pudesse competir na pista montada na casa do amigo Almeidinha.
Era assim que, depois de alguns dias de convivência, todos passaram a chamar o Paulo de Almeida Santos... Em tempo, Almeidinha “comandava” uma máquina similar àquela utilizada pelo Super herói Batman e seu fiel escudeiro, o bom menino Robin.
E naquele sábado de outono da década de sessenta, ao som de “A Day in the Life” daqueles quatro rapazes de Liverpool, logo cedo, lá foi o solidário e sempre presente tio Emanuel, com a paciência que somente os bons filhos têm, até a loja Aerobraz, famosa pela venda de réplicas dos mais modernos e cobiçados carros esportivos da época. Era ali, na rua Major Sertório, na região central da cidade de São Paulo. Além dos arrojados automóveis, lá também eram exibidas e comercializadas réplicas de aviões, navios e maquetes dos mais renomados autódromos espalhados pelo mundo.
Era a época dos modernos autoramas, o objeto do desejo de todas as ludotecas, e das reproduções quase perfeitas daquelas máquinas maravilhosas, que, na vida real, já povoavam ruas e avenidas do chamado primeiro mundo...
O pequeno Teófilo sabia que o carrinho com o qual competiria, tinha remotíssimas chances de vitória, todavia, contentava-se por ter a sua máquina vermelhinha, rebaixada e com alargadores nos eixos, traseiro e dianteiro, competindo ao lado de todas aquelas réplicas fantásticas...
No “cockpit” do seu carro, e, valendo-se de sua fértil imaginação de pré-adolescente, o pequeno Teófilo talvez tenha competido em Indianápolis, Le Mans, Monza, Silverstone, Daytona, e Jerez de la Frontera, algumas dos autódromos mais famosos à época...
O pequeno Teófilo tinha plena consciência de que a sua Belineta vermelhinha não tinha chance alguma de vitória diante daquelas máquinas de última geração. Ainda assim, Teófilo sentia-se feliz por ver o seu carrinho no grid de largada na pista de autorama da casa do Almeidinha.
Para o pequeno Teófilo, independentemente da posição, cruzar a linha de chegada já seria uma grande vitória. Já seria algo verdadeiramente memorável, algo digno de comemoração.
Vovó Celeste, que jamais presenciara uma corrida do neto, e mal sabia dos segredos dos autoramas, e menos ainda daquelas estranhas Berlinetas, parecia feliz por ter propiciado ao pequeno Teófilo, alguns preciosos momentos de incontida felicidade...
“Pior do que não vencer, meu menino, é não ter a possibilidade de competir...”
Aquela citação jamais sairia da cabeça do pequeno Teófilo, que, hoje, já no oitavo septênio de vida, em plena idade da sabedoria, ainda se vale daquela lição, e das lembranças de alguns raros e surpreendentes pódios, verdadeiras “zebras”, conquistadas na pista da casa do bom vizinho Almeidinha.
Teófilo levava tão a sério as suas “pequenas grandes conquistas” que, não raro, fechava os olhos como se de algum lugar ouvisse tocar o hino nacional, enquanto a bandeira de sua pátria subia solenemente aos céus...
Hoje, já no limiar do século XXI, vivendo em um mundo totalmente digital, Teófilo ainda se lembra daqueles carrinhos, do inconfundível aroma de óleo Singer, com o qual os lubrificava, da seletiva pista do autorama, da paciência quase tibetana da mãe do Almeidinha, que a todos acolhia, e ainda oferecia o lanche da tarde...
Lembra-se também das inevitáveis derrapagens, das capotagens cinematográficas, mas, sobretudo, lembra-se das sábias palavras da querida vovó Celeste...
(...) Por onde andariam hoje o bom vizinho Almeidinha e os baby boomers (1) de então; o Luquinhas, o Tatoni, o Flávio, o Cláudio, o Carlinhos, o Gordo, o Guto, o Bebeco, o Giba, o Denis... por onde andariam eles. Oxalá estejam todos bem vivendo com sabedoria os seus respectivos septênios...
(...) E aquela Berlineta vermelhinha, que o pequeno Teófilo por controle remoto pilotava e, com tanto zelo cuidava, em que prateleira, gaveta ou criado mudo teria ido parar ?!
E hoje, em pleno ano de 2017, já vivendo uma nova configuração geopolítica mundial, em meio a tantos recursos tecnológicos, digitais, o bom professor Teófilo, que, com relativa frequência, falava da brevidade da vida, ainda se diverte com as lembranças de um tempo logo ali.
E, lá do céu, a querida vovó Celeste e o bom tio Emanuel jamais saberão que Teozinho, hoje, Professor Teófilo, a sete chaves, ainda os guarda em seu coração de gente grande ao lado daquela também saudosa Berlineta vermelhinha...
Notas:
(1) Pessoa nascida no período do pós-guerra, após 1945, no chamado baby boom, caracterizado por um grande número de nascimentos.
FIM
Conto de Isidro Fraga
Março de 2017