Nosso primeiro encontro

Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, 5 de março de 2017

Até hoje vinha recusando-me a escrever o que segue, embora alguns familiares, meus e dela, bem como colegas de trabalho e amigos, por todos esses anos de nossa vida em comum, tenham ouvido a estória de nosso primeiro encontro. Bastava contar com plateia animada, eu, usando de linguagem pitoresca e engraçada, fantasiando aqui e ali, dramatizando um pouco e colocando-me sempre como galanteador irresistível, jogava para fora os lances dessa narrativa que arrancavam gargalhadas de alguns e abria desconfiança sobre sua veracidade, entre outros. Então, vamos ao meu propósito de agora!

Conheci minha esposa, de maneira inusitada. Caminhava eu, sem destino, por determinada rua da cidade de Itabuna, na Bahia, quando percebi que várias garotas se dirigiam à porta de um edifício imponente, que mais tarde confirmei tratar-se da sede da Maçonaria local. Por curiosidade, também entrei. Um auditório, apinhado de garotas, se apresentou à minha frente. Postei-me na porta do auditório, para saber do que se tratava. Um senhor, de certa idade, proferia uma palestra, era a Semana da Normalista. A maioria presente era estudante do Curso Normal, também conhecido como Magistério de 1° grau ou magistério pedagógico, tipo de habilitação para o magistério nas séries iniciais do ensino fundamental.

Fiquei quieto, prestando atenção ao que o palestrante falava. Interessava-me, também, prospectar as atitudes das normalistas presentes; eu estava há pouco mais de quarenta dias na cidade, não conhecia quase ninguém, a não ser alguns colegas de trabalho, pois chegara à cidade para ali trabalhar. Aquele ambiente poderia oportunizar-me conhecer algumas garotas nativas.

De telescópio ligado e fazendo varredura entre as ouvintes do palestrante, percebi uma garota que não parava de conversar com sua colega ao lado. Mais incomodado do que interessado, passei a encará-la e fazer acenos para que ela prestasse atenção ao palestrante. Ela respondia com muxoxos, desdenhando e fazendo pouco caso em relação à minha pessoa. Todas as vezes que ela olhava em direção à porta, eu repetia os mesmos gestos de reprovação, ela me devolvia muxoxos.

Um colega de trabalho, também curioso, entrou no recinto das normalistas e, cumprimentando-me, perguntou o que eu estava fazendo ali. Com poucas palavras esclareci sobre minha presença naquele local. Ele se interessou pela plateia também, e ficamos os dois a comentar sobre aquelas belas e jovens garotas, futuras professoras que seriam responsáveis pela aprendizagem inicial dos cidadãos do futuro, de nossa pátria. Mas, eu não tirava os olhos da garota que continuava distribuindo muxoxos para mim. Apaixonei-me pelos seus cabelos, longos, pretos e que irradiava um brilho luzidio. Que, por sua vez, ornava um belo rosto, formado por lábios bem conformado, como se feito ao torno, olhos pretos, ornados por cílios também pretos a piscar alegremente em intervalos constantes.

Nesse meio termo, avistei, caída no chão, uma caneta Cross, Cromo Brilhante, muito requisitada naquela época. Apontei para ela e pedi ao colega que a apanhasse. Ele obedeceu e ficamos a discutir sobre a propriedade do achado. Ele dizia que lhe pertencia, que pegara primeiro. Eu retrucava, avisando que a vira primeiro. Em acordo, fizemos uma aposta. A caneta seria minha se eu viesse a namorar a garota sentada na penúltima fila de cadeira do auditório. Aquela que estava vestida de blusa de seda branca, mangas compridas e saia de gorgorão, cor goiaba. Ele ficou assustado com minha desenvoltura sobre moda feminina, mas concordou com a aposta. Rapidamente tomei a caneta das mãos do amigo, a coloquei no bolso de minha calça e afirmei com toda a segurança: — já que eu tenho certeza que isso vai acontecer, a caneta fica comigo! Ele não discutiu sobre essa minha atitude, só disse que eu era bastante presunçoso. Na réplica e em tom de gozação, respondi-lhe: — É só pelo meu charme, nada mais, dando indiscreta gargalhada, que fez algumas garotas, principalmente as das últimas filhas, olharem em direção à porta, em atitude de reprovação.

Ao término da palestra, quando todas estavam a sair, aproximei-me da garota dos muxoxos e perguntei se poderia acompanhá-la. A resposta foi um não, seco. Mesmo assim, continuei ao seu lado por mais alguns metros, perguntei o seu nome e não fui correspondido. No outro dia, em outro local, seria o encerramento da Semana da Normalista. Dirigi-me para esse local e quem estava lá? Sentada quietinha, tendo ao lado uma garota muito parecida com ela, que mais tarde vim a saber tratar-se da irmã mais nova.

Ao vê-las, percebi que havia uma cadeira desocupada. Perguntei para a irmã se eu poderia me sentar naquela cadeira. Um sinal de positivo ela concordou. Mais que depressa caminhei em direção às irmãs, pedi licença e sentei-me ao lado da garota que muito me impressionou no dia anterior. Ficamos a conversar baixinho, para não atrapalhar o palestrante e seus ouvintes. Em determinado momento, dei discreto beijo em sua face e fui recriminado: — Você é ousado!

Assim começou a nossa vida, juntos. E lá se vão quase 50 anos.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 05/03/2017
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