Algumas gotas de merthiolate
Aos poucos ela vai ganhando confiança. Ela precisa de rodinhas no início. Ela vai devagar, com o auxílio de um adulto. Até que numa manhã de obstinação, ela decide abandonar aquele acessório de amparo e corre feliz com sua liberdade pela calçada da rua.
Ela já não precisa mais das rodinhas. Não precisa mais da ajuda de um adulto. Ela cai. Aquele joelho ralado é o custo por sua obstinação, por se entregar a paixão de tomar a calçada em velocidade, sem se utilizar de um apoio.
A bicicleta está lá, no chão. Sua mãe a apoia com um consolo e um remedinho pro joelho. Ela não quer mais saber da bicicleta. O joelho dói.
É domingo. Já tem uma casquinha no machucado. A bicicleta está lá, na garagem, e a convida pra um belo passeio. Ela hesita a princípio. Tem casca, mas o joelho ainda dói.
Por fim, não é possível resistir. Novamente a calçada da rua é tomada por sua veloz máquina de duas rodas. A manhã é passada em sua totalidade sobre o selim. É hora de almoçar e a bicicleta é abandonada por um tempo. Ela decide voltar após o almoço e com toda a paixão de andar novamente, já se esquecendo do joelho ralado, parte para o asfalto deserto de domingo.
Andar um pouco mais rápido lhe fascina. Decide acompanhar as crianças grandes até o fim da rua. A liberdade lhe bate fria no rosto em forma de vento. Ela não podia ser mais feliz. Porém o freio da frente decidiu ser seu obstáculo. Dessa vez o joelho, já com casquinha, ganha dois novos companheiros. O joelho e o cotovelo direito estão ardendo e sangrando.
Ela parte para casa, ainda na bicicleta, em prantos e envergonhada. Vai buscar os beijos da mãe, junto com algumas gotas de merthiolate. Porém dessa vez ela tinha certeza que iria voltar.