Mas ainda é carnaval

Se Ele soubesse antes como se encontraria agora, teria resistido, largado pela metade? Contudo, essas coisas, a gente nunca sabe, tudo é possibilidade, imprevisão, e isso ninguém nunca precisou ensiná-lo. Saltaria Ele essa página da sua vida, se possível? Não saberia responder, mas gostava de pensar na possibilidade.

E o Outro, no mesmo lado onde sempre esteve, agora cogitando ter se envolvido demais e quase sempre tornava isso uma verdade.

Entretanto, Ele alegara que sim, que foi o único que se envolveu demais, que se doou mais, excessivamente e criava um ódio próprio na primeira oportunidade, diferente do Outro, alheio a busca por culpados.

O Outro dispensava esse pensamento, de quem se envolveu demais ou de menos. Queria e foi, depois voltou para o lugar onde sempre esteve antes. Não queria mais estar ali, e nada o faria pensar o contrário porque aquela coisa de magia & encantamento agora era escassa, e existia o além do ponto em que a vista alcançava, e nisso agarrava-se.

Ele não, ficaria até o fim, afirmou isso desde o início, e dizia que o fim não era aquele, era apenas o fim do outro. Mas não seria aquele o ponto, que não caberia mais um passo de ambos? Discordava. E as memórias, as promessas foram tudo em vão, as palavras ditas jaziam agora ao vento? Foram o que os amigos escutaram pelo telefone durante algum tempo, queria explicação para tal.

O outro encararia aquela situação como um impasse.

Ele não, havia esperança – quase perdida-, mas havia, e não queria encarar todo o resto que ficaria após à partida do outro, imploraria por consolo.

Houve o início, se lembravam disso, ambos não resistiram para que acontecesse, e foi rápido, começaram somando semelhanças, e tentando subtrair coisas opostas que eram quase inexistentes, e às vezes ignoradas, como em todo começo, ávidos para que dessem certo.

Tinham fome de seguir adiante, e seguiram para onde encontravam-se agora. Ele dizia que se soubesse teria demorado mais em todo o processo, para que tudo não acabasse assim como começou, e sentia-se patético.

O outro dizia que as coisas deveriam andar da forma que percorreu, que foi bom, importante e algumas coisas amenizadoras, mas agora não existia mais adiante. E lembrava da frase que há alguns dias leu por acaso: “Tudo é vário. Temporário. Efêmero...” Soube depois que era um pedaço de um trecho do Chico Buarque, e pensou sobre dias afora.

E essa oposição seguia ignorada por ele, como as demais coisas opostas entre ambos, mas visíveis aos dois.

Foi descoberta do outro, e certeza que ele teve. Mas tudo é transeunte, ele afirmava não querer mais gostar de ninguém, e outros pensamentos cândidos, além de mudar a própria rotina para que os seus pensamentos não ficassem à mercê do outro, que distanciava-se cada vez mais agora.

Entraram nessa história sem trazer nada, e foram embora levando alguma coisa, igual entre ambos.

Houveram músicas trocadas, filmes assistidos, lugares visitados, até chegarem ao ponto que deveriam despedir-se parar para dar início a outra história. Aí seriam outras músicas, outros filmes, outros lugares, mas poderia ser também, as mesmas músicas, filmes e lugares, com outras pessoas, não desapegariam tão ligeiro dos próprios gostos, para compartilharem com quem apareceria a seguir.

Aqui seria a continuidade da coisa, enquadrando os mesmos clichês, que temia ele que o outro já estivesse pronto para oferecer a terceiros.

Existiu um dia em que ele tentou pegar novamente o início, e enquadrar entre ambos, mas não funcionou, foi superficial, era passado e o óbvio veio dias depois em letras grandes chamativas, nada existia mais ali, nem uma tentativa de amizade falhada que o outro tentou depois e veio a largar para lá.

Foram números apagados e adicionados novamente, possivelmente até falaram mal um do outro por aí.

Ele olhava um único ponto no seu quarto agora, olhar fixo, se lembrou - ainda era carnaval -, pensava se o outro estaria por aí curtindo o que agora a pouco se deu conta. Levantou, lavou o rosto e se deitou novamente, era a única coisa que poderia fazer por ele mesmo naquela noite, pensou em colocar alguma música para pegar no sono mais rápido, mas a preguiça o fez hesitar.

O outro agora jogava confete para cima e ria, era carnaval, e não temia o ano que estava pela frente, cantava junto da música alta que tomava conta daquela festa que participava.

Ambos sabiam que há sempre a continuidade. Quem sabe tardia para ele e precipitada para o outro, mas ela sempre vinha e isso que os levou onde estavam agora. Pois a continuidade é a razão dos fins, e motivo dos inícios, e para isso que valia à pena esperar o amanhã, mesmo que cantando e jogando confete ou simplesmente dormindo, a vida sempre continuará acontecendo.

Anny Ferraz
Enviado por Anny Ferraz em 28/02/2017
Reeditado em 07/03/2019
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