Elucidações elucidativas sobre os elucidados [conto]
A menor possibilidade das coisas darem certo ainda não é o suficiente para deslindar a necessidade de as coisas darem certo. Se as coisas não derem certo para Renata isso poderia significar que não vão dar certo para ninguém. Não porque as coisas dela sintetizam todo os sentimento do universo ou sua solução culminaria na confirmação ou negação da hipótese de Riemann. Ninguém nunca conseguiu solucionar esta fabulosa combinação de números e letras romanas e gregas, cheio de linhas e sinais gráficos, muito bem matutada por Bernhard Riemann, um alemão que morreu na Itália e viveu no período da nababesca era Vitoriana. Renata certamente não seria quem desvendaria este pomposo enigma, visto que ela era uma notória lunática, e não dominava as artes numeroletradas. Ela nunca poupou nenhum tipo de tempo, passado, presente ou futuro, para fazer as coisas darem certo, mas isso não garante nada, se é que alguma coisa pode ser garantida nesta época de carros que não voam e exceções generalizadas. Falo isso por causa das coisas que Renata falava para a lua antes de dormir. Não que ela falava com a lua como um galo que fala para o mundo que o sol chegou ao mesmo tempo que avisa as estrelas para se esconderem, era mais parecido com um canário que canta todo dia de manhã na esperança de encontrar outros canários que também queiram cantar.
Para as coisas darem certo para Renata ela precisava que uma série de acontecimentos aleatórios se alinhassem numa sequência imponderável. É uma coisa parecida com o efeito borboleta, mas sem tantas cores e com um degradê mais opaco. É esta variação de cor limitada pelo espectro retro dimensional que determinará a completa ocasionalidade dos eventos. Sendo assim, o fundamentalismo paraláxico da situação determina que as coisas darem certo para Renata é elemento decretório para que as coisas também deem certo para todos os seres vivos, pensantes e não pensantes, ou mortos (aí tanto faz como e porque). Se Deus existe, só ele sabe se as coisas vão dar certo para Renata, mas se ele não existir, aí ninguém sabe. Neste caso, de ninguém saber, quem descobrir pode estar em grande risco de ser considerado sabedor demais. Assim como Galileu ou Tesla. Para eles as coisas não deram certo, o que impactou o mundo inteiro, que teve que viver mais tempo que o necessário achando que a terra era quadrada e sem iluminação para cidadãos noctâmbulos. Não se pode dizer aqui que Renata não era cumpridora de seus deveres e merecedora de todas as graças de Nossa Senhora da Bicicletinha (o que não significa que eram de graça, Renata deprecava fervorosamente na igreja ou fora dela, além de sempre contribuir na cestinha), porque ela era.
Traçando um paralelo entre a curva ascendente da transversalidade do cosmo, e os instintos reprimidos de um boi que pasta durante semanas antes de virar hambúrguer, um alucinado poderia concluir que os coisas dariam certo para Renata se ela fosse para a Conchinchina. Supondo, para todos os efeitos laterais e colaterais, que a Conchinchina fizesse fronteira com o Amapá, e alguns metros separassem a prosperidade da completa precariedade do ser (alguma coisa, humano ou animal), e que as coisas dessem certo com Renata lá, o sistema de irrigação dos circuitos que ligam os fatos entrariam em processo de estiagem aqui. Em todo caso, parece lógico afirmar que as inexoráveis relações de espaço-tempo seriam afetadas de formas reparáveis somente com a invenção de novas máquinas ou uso de tecnologia cinematográfica. Ambas as soluções estão além dos pressupostos básicos democráticos estabelecidos pelo senso comum.
É de suma importância lembrar dos estudos conduzidos pela própria Renata sobre a influência da lua nos sorteios dos números do bingo na igreja. Como lunática formada e diplomada numa das grandes universidades da vida, Renata tem todos as credenciais necessárias para dizer o que quiser ou entrar em qualquer lugar, desde que a vontade e os lugares existam. Dito isso, suas pesquisas provam categoricamente que pedras lunares que cantam aqui não cantam lá, e vice-versa. Então não adianta teimar que água mole não fura pedra dura. No sapato ou no caminho, no bingo ou na lua, a pedra é sempre algo que vai bater. Que seja pós-verdade, pós-mentira ou pós-feijoada, as coisas tem que dar certo para Renata nem que seja por sorteio, fórmula mais conhecida por selecionar a meritocracia.
No fim os macacos nunca morderam o Robin, e o Batman jamais conseguiria morder uma bala como John Wayne. Quando uma borboleta bate as asas ela espalha por toda atmosfera uma grande quantidade de pó de pirlimpimpim, e este pode ser o segredo do milagre. Tudo corrobora para que não acontecimentos continuem a não acontecer. Existem mais de 80 grupos étnicos no Sudão do Sul, e todas essas formidáveis culturas fazem um esforço descomunal, há séculos, para se manterem culturando, independente da vontade do sapo de se alimentar unicamente de mosquitos. O que se pode dizer, ainda que se incorra no terrível erro de se estar errado, considerando aqui que a dicotomia certo e errado corresponde às duas únicas possibilidades irracionalmente viáveis de definição a cerca da moral, é que não se pode fazer uma omelete sem se quebrar os ovos. Não sendo a omelete uma substância essencial para a preservação da espécie, fauna e flora, ao contrário do ovo, ao qual a vida está uniformemente envolta, se conclui que para as coisas darem certo para Renata basta não fazer omelete.