HISTÓRIA DESAMARRADA

Mais um domingo como outro qualquer... Na verdade um pouco mais agitado, pois o Lucas, com apenas seis anos e muito gás pra gastar passava o fim de semana em nossa casa. Domingo aquele que gostamos de esquecer o despertador, dormir até cansar, levantar e deitar de novo. Mas como prometido, o dia era dele. Acordou cedinho, lá pelas nove da manha, na verdade um pouco mais tarde que ele costuma acordar, mas na noite anterior ele resistiu ao sono e foi até a madrugada acordado. Eles são sempre bem compreensíveis com meu cansaço então deixam que eu durma até as onze. Minha esposa me acordou, na verdade os dois me acordaram de uma maneira nada sutil, atiraram-se por cima de mim. Quem consegue ficar dormindo com tanto carinho?

Era a hora do chimarrão, para nossa surpresa não tinha erva. A ju então me incumbiu de resolver esse problema, mas antes deu a idéia de ir ao posto, mas como sabemos bem, não é verdade que tem tudo lá, mas mesmo assim fui conferir. Vesti uma bermuda jeans, uma camiseta, chinelo e boné, não queria pentear o cabelo no domingo. O Lucas já estava pronto desde quando acordou, vestiu apenas um tênis e fomos. Saímos então focados na missão de encontrar a erva. O posto é do lado de nossa casa, fomos rápido, não tinha. O caminho até o shopping onde tem um Supermercado é rápido também, cerca de duas quadras, caminhando daria no máximo cinco minutos e lá, tenho certeza que irei encontrar nosso tesouro do domingo. Fomos direto do posto até lá. Eu ainda me acordando, quase que perdendo o chinelo e o Lucas correndo pra frente e pra trás, gastando a energia daquela bateria que parece não descarregar.

Em uma dessas corridas o tênis dele desamarrou, teve que parar para que eu o amarrasse, nesse momento, uma senhora nos ultrapassou, foi o início de um curto, mas intenso monólogo. Essa senhora que eu não conhecia, mas conheci uma parte da vida dela em poucos minutos.

Começou dizendo sem olhar para o nosso lado:

_Saudade de quando meu filho era desse tamanho.

Eu apenas sorri levemente.

E ela continuou:

_Agora ele está com 19 anos e às vezes vai em minha casa.

Por educação entrei na conversa e falei:

_Cresce e vira visita.

Mas ela disparou:

_Nem visita mais, e agora comprou uma moto, mas soube por outras pessoas, ele não me falou.

Só balancei a cabeça pra um lado e para o outro.

Nesse momento tive que dividir minha atenção com o Lucas e a senhora, pois percebi que ela precisava desabafar.

Entramos no pátio do shopping e foi então que ela abriu o coração:

_Sempre sonhei em ter uma família grande, para que todos sentassem em volta da mesa para as refeições, mas a vida não é bem assim, convivo com uma família onde trabalho por mais de vinte anos e lá eu presencio a história que gostaria que fosse minha, não é inveja...

Calou-se por alguns segundos, tomou fôlego e completou:

_Quando meu filho tinha doze anos, meu marido entrou para a polícia e passava os dias passeando com mulheres, inclusive levando ele junto.

Começou a repetir a frase e mudou de assunto:

_Quando meu filho tinha doze... Tenho uma sobrinha que é advogada...

E com ar de decepcionada disse:

_Tu vais entrar no Super!

Ela então continuou sua caminhada por dentro do shopping, e nós rumamos em direção ao corredor da erva mate, mas não sem antes um comentário rápido entre Lucas e eu.

Eu disse:

_A tia queria conversa.

E ele respondeu:

_Ahan.

Pegamos a erva, fomos em direção ao caixa, demos aquela paradinha para olhar os lançamentos dos carrinhos da hot wheels e continuamos. Paguei. O Quilo custava treze reais e setenta centavos, dei duas notas de dez, peguei o troco e fomos embora.

A volta foi em dupla não tivemos companhia, fomos pisando dentro dos quadrados das pedras que formam as calçadas, pois não pode pisar nas linhas. O Lucas também pulou por cima de estruturas de concreto que impossibilitam os carros de subir nas calçadas e corremos um pouco também.

Chegamos em casa, preparei o mate, contei um pouca da história da senhora para a Ju e seguimos nosso dia.

Mas quando eu iria pensar que um tênis desamarrado iria dar uma história? Foi tranqüila, mas da próxima vez ele vai de chinelo.