UM PROFESSOR DE LITERATURA
Adolescentes são seres complicados.
Renato tinha 16 anos e precisava passar pelos seus 16 anos. Renato, para piorar essa obrigação, também se sentia invisível; inexistia em um mundo cheio de compromissos que envolviam frequentar um cursinho preparatório noturno para um vestibular no fim do ano, escolher uma carreira profissional; manter essa escolha e cogitar garantir um futuro próspero para si com uma família vindoura.
Renato inexistia para aqueles objetivos e tinha uma certeza: pessoas na condição de serem impercebíveis, simplesmente nulas, não podiam ter nenhuma profissão e os vestibulares para diferentes carreiras, todas as carreiras, desfilavam como nuvens de formatos imponderáveis: o imenso cumulus Engenharia, o cumulus Jornalismo, os colossais cumulunimbus Medicina ou Direto.
Então frequentar o tal cursinho noturno tornou-se uma atividade ordinária que, no fim de tudo, levaria Renato a esperar a dissipação das tais nuvens e nunca, jamais, implicaria na diminuição da sua invisibilidade, embora um dia Renato pudesse chegar aos 17 anos.
Que importava o quanto os pais pagavam pelo curso.
As aulas de matemática eram insuportáveis e eram inexplicáveis as aparições de Química e Física.
Renato e seu colega Félix, outro adolescente em estado oculto, decidiram apenas acompanhar as aulas de Literatura e isso porque o professor os fazia rir com as histórias dos poetas e com a explicações dos poemas.
- Fernando Pessoa era um poeta português, mas havia outros três poetas que nunca existiram, mas escreviam através dele.
Um dia o professor de Literatura, antes de uma aula, aproximou-se dos dois alunos e nomeou sorrindo:
- Meus perseguidores...
Naquele momento, Renato riu porque fora a visão de alguém; sendo engraçado surgir, pontualmente surgir para alguém tão importante.
Renato percebeu também e isso alguns dias depois, o quanto a invisibilidade era prejudicial na matéria chamada vida, tendo o adolescente começado a aparecer no encontro com o professor de Literatura.
Renato passou nos anos seguintes, por muitas abduções de humor e outras reações químicas volatizáveis; mas a invisibilidade, que era o sentido de sua vida até ali, foi superada naquele contato didático. Renato até se formou em Psicologia.
O adolescente invisível voltou novamente em 1996, quando soube da morte daquele professor de literatura devido a um câncer.
A morte de alguém tão importante, foi um súbito eclipse na vida do psicólogo Renato.
O adolescente pensou: “Lua cheia para os poetas!”.
DO LIVRO: ÓBITOS EM COPACABANA