A FANTASIA

A FANTASIA

Após tomar mais um trago de pinga no balcão do buteco e fumar o último cigarro que tinha na carteira, amassando-a raivoso com uma das mãos e jogando-a num canto em meia-luz do tosco estabelecimento comercial, Carlos pensou: " Será que ela não vem mais? "

Habituado aos prazeres mundanos com prostitutas, ele não se interessava por garotas de família, com boa educação doméstica, de boa conduta moral. Preferia as mulheres libertinas, jogadas na vida mundana, que vendessem o corpo por qualquer quantia, suficiente apenas pra comprar droga barata, bebidas alcoólicas ordinárias, cigarros paraguaios e roupas compradas em shoppings populares ou até mesmo em feiras livres.

- Se não vem mais, vou atrás de outra - ele dizia.

Carlos era viciado em suburbanas vadias. Até porque, ele também era um suburbano. Ajudante de pedreiro, não passava disso. Não queria saber de maiores responsabilidades. Durante a semana trabalhava de sol a sol, fazendo massa, pegando peso, ou expondo-se em variadas tarefas nos andaimes.

Às vezes, ele era dispensado do serviço, antes mesmo de sua conclusão. No meio de semana, tomado pela vontade viciosa, saía de noite pra beber e se envolver com vadias, chegando no outro dia, bem atrasado no serviço. Tentava justificar a impontualidade, em vão.

Não era de todo preguiçoso. Saía à cata de outro serviço, e logo o encontrava. Gostava mesmo era de curtir no fim de semana. Naquela noite, ele saiu do buteco chateado. Quem ele esperava, não apareceu. Andou um pouco pelas ruas desertas e anoitecidas. Entrou em outro boteco pra tomar mais um trago de pinga e comprar outra carteira de cigarro. Ficou ali pensativo, sentindo falta de uns instantes de prazer com alguma fogosa mulher.

Já ia saindo, quando alguém lhe põe a mão no ombro.

- Ainda tá de pé o nosso compromisso, Carlos?

Era a biscate que ele esperava.

- Por que não apareceu mais cedo?

- Imprevistos ocorrem, meu querido. A noite é grande. Ainda dá tempo. É só você querer.

- Claro que quero.

Carlos a olhou de esguelha, puxou-a com vigor pra si e saíram enlaçados e contentes, até se perderem de vista na escuridão da noite. Havia seis meses que ele estava no mesmo emprego. Era uma construtora, responsável pela execução das obras do condomínio Minha Casa Minha Vida no bairro periférico onde ele morava. Muito jovem, com vinte anos, ainda não pensava em se casar. Mulato de boa aparência física, com frequência era admirado e cortejado pelas garotas das cercanias. Só que ele não gostava desse tipo de namoro, de ficar, de pegar, de bater papo no jardim da praça, ainda que pudesse rolar uma transa casual.

Era tímido pra conversar com garotas de família de sua idade, ou até mais novas do que ele. Nos momentos de sobriedade, quase não falava, não interagia com os amigos, preferia ficar em casa, no habitual retraimento. Sem quase nenhuma instrução escolar, abandonou os estudos antes de entrar na adolescência. Mas logo aprendeu a fazer bico pra se sustentar. Iniciante na vida prática, passou a beber, a fumar (não usava outras drogas) a frequentar os reles bordéis.

Assim que deixou o emprego no final da tarde de sexta-feira, já com o valor da quinzena trabalhada no bolso, um colega de trabalho convidou-o pra irem no sábado à noite, numa festa de aniversário de uma garota amiga dele, ali perto no bairro vizinho.

- Ah, Jorge, você me conhece, sabe que não gosto de frequentar esses ambientes de família... Não tenho jeito, não tenho papo, só gosto de tomar pinga, não sei falar com as garotas... Acho melhor não ir. Você entende, né?

- Entendo, sim, Carlos, só que você não pode ficar o tempo todo, gastando o seu dinheiro em bordéis com mulheres vadias. Precisa modificar a sua forma de beber, sem precisar se embriagar, ingerindo bebidas fortes, como pinga, por exemplo. Mude pra uma bebida suave. Se contenha pra só beber socialmente. Você precisa frequentar ambientes melhores, mais saudáveis, namorar garotas mais instruídas, de bons princípios, pra que vocês possam construir juntos um futuro melhor.

Carlos olhava pro amigo admirado pelo jeito expresssivo de falar. Sabia que ele trabalhava de dia e estudava de noite. Por isso, sabia mais do que ele. Tinha mais conhecimento. Era mais desinibido. Queria ter um futuro com uma vida econômica mais sólida, com casa, mulher, filhos, enfim, ter uma família bem construída. Chegou a se envergonhar por ser seu amigo.

- É, Jorge, você é diferente de mim. Além de trabalhar, estuda. Quer ser alguém na vida. E eu, meu amigo, o que posso ser, além de um ajudante de pedreiro, tímido, sem estudo, biriteiro que só gosta da companhia de prostitutas?

- Não se diminua, Carlos, você pode mudar pra melhor. É só querer.

- Não sei não. Acho difícil.

- É difícil, mas não é impossível. Então, aceita o meu convite?

- Pra não fazer desfeita, aceito.

- Olhe lá, hein, não saia antes de minha chegada. Às sete da noite passo em sua casa.

- Tá bom, Jorge, te aguardo amanhã.

E os dois jovens amigos operários se despediram num fraterno abraço.

No horário combinado, Jorge chegou.

- E aí, tá pronto pra gente ir?

- Sim, vamos lá.

Uma festa simples, feita por pessoas simples, numa casa simples, além do aspecto espontâneo de jovens cheios de vida ainda imatura, revelando no modo hospitaleiro de cada um, todo um clima expectante de otimismo, não só felicitando solidariamente a aniversariante, mas projetando coletivamente, sonhos de realizações existenciais em promissores porvires.

Quando Jorge se aproximou de Carlos pra lhe apresentar Joana, o retraído rapaz só teve vontade de sair dali, pra não ter que vivenciar aquele momento tão embaraçoso, tão angustiante pra ele.

- Carlos, esta é Joana, a aniversariante.

- Olá, Carlos! Muito obrigada por ter vindo à minha festa, viu? É uma festinha simples, mas acolhedora.

- Parabéns! Sua festa tá muito bonita!

- Quero que essa festa não seja só pra mim, mas pra todos nós nos divertirmos muito. Fique à vontade. Saiba que eu gostei muito de você. Todo trêmulo, com as mãos suando e o coração acelerando, Carlos não sabia o que dizer à jovem morena tão linda e encantadora, ali bem pertinho dele. E ele ficou mais extasiado ainda, quando ela, amavelmente, beijou-lhe numa das faces.

- Olhe, fique por aqui, coma e beba o que quiser. Se quiser dançar, escolha uma garota e dance. Daqui a pouco eu volto pra conversar com você.

- Não, aqui tá bom. Vou ficar aqui no meu cantinho sossegado. Se tiver que dançar, será com você.

Sem perceber que já se interessava por Joana, a sua fala foi quase um sussurro nos ouvidos dela, que logo lhe correspondeu às expectativas sentimentais.

- Então, eu farei a mesma coisa. Vou dar um pouco de atenção aos amigos presentes, e já volto pra gente dançar, viu?

- Tá bom.

Ficaram juntos durante toda a festa. Dialogaram, dançaram, e ali mesmo o namoro foi iniciado, com muitos beijos e abraços, tão intensos quanto surpreendentes entre os dois jovens enamorados.

Mais seis meses se passaram. As obras do condomínio estavam quase concluídas. A direção da empresa prometeu a Carlos que ele continuaria fichado, pois uma outra obra estava prestes a se iniciar. Preocupado em ser dispensado, gostou da ideia de continuar no emprego. Pensando em se casar com Joana, se inscreveu no programa Minha Casa Minha Vida. E, possivelmente, moraria ali mesmo naquele conjunto habitacional popular, cujo projeto arquitetônico, eram de pequenos apartamentos de dois quartos, sala, cozinha, banheiro e área de serviço.

Carlos diminuiu a bebida. Evitava tomar pinga. Deixou de fumar. Dedicava o seu tempo de folga pra namorar Joana. Voltou a estudar à noite. As coisas iam bem. Somente algo lhe incomodava. Sentia vontade de transar com Joana, mas não reagia, não tinha ereção. Ela, por sua vez, apesar de também querer, não forçava a situação. Percebia que ele não reagia, mas não lhe dizia nada, até pra não constrangê-lo.

Assim que começou a namorá-la, deixou também de ir ao bordel. Tinha vontade de ir e só de pensar, se excitava. Pensou: " Será que só tenho ereção com prostitutas? " - Não. Não pode ser!

Decidiu ir ao bordel. Tinha que tirar essa dúvida. Amava Joana. Estava sendo fiel. Ela não precisava saber. Era por uma boa causa. Lembrou que até pouco tempo era viciado naquela vida libidinosa que tanto o atraía. Ligou pra uma delas. Marcou o encontro num dos butecos que outrora frequentava. Ficou ali impaciente esperando ela chegar.

Quando a viu, logo se excitou sem tocá-la.

- Olá! Há quanto tempo não te vejo, Carlos! O que houve, não te atraio mais? Está transando com outra?

- Não é isso. Nem com você, nem com outra. Estou namorando uma garota e pretendo me casar com ela.

- Ah, já sei. Agora só transa com ela, né?

- Não. E é por isso que estou aqui. Tenho vontade de transar e não tenho ereção. Fico até envergonhado.

- Então, quer tirar a prova comigo. Quer saber se só reage com prostitutas?

- Sim.

E aí, como está, deixe eu ver, puxa, hum, tá no ponto... Vamos lá!

O encontro com a vadia foi um sucesso. E agora, o que fazer? Não podia se casar com Joana sem resolver aquela situação. Teve uma ideia. Ia se abrir com a namorada, contá-la o que se passava com ele. Não queria perdê-la. Se ela topasse, tudo se resolvia.

- Joana, minha querida, antes de te conhecer, tinha uma vida desregrada. Bebia, fumava e me satisfazia com prostitutas. Só que, assim que começamos a namorar, quis mudar a minha forma de viver. Se não fosse Jorge, que me aconselhou acerca dessa mudança, talvez não tivesse te conhecido. E agora, amo-a tanto e não quero perdê-la.

- O que se passa, meu querido? Eu também te amo muito e não quero perdê-lo. Está me assustando. Você está doente?

- Não, não estou. Quero dizer, acho que não estou. Acho que, o que tenho, não é uma doença...

- Então me conte. O que você tem?

- Você deve ter percebido que quando a gente namora, se beija, se abraça, se pega, eu não reajo...

- Sim, já percebi. E fico sem entender porque lhe ocorre isso. Também não sei o que fazer. Tenho vontade de transar com você. Ainda sou virgem. Me guardei pra alguém que pudesse ter a minha primeira vez com amor, com alguém que amasse, e esse alguém é você, meu amor. Mas tenho paciência, tudo vai ficar bem. Só que lhe sugiro que procure um médico, pra fazer um tratamento. O que você acha?

- Não. Médico não.

- Como não. Eu não entendo.

- Eu tenho ereção, meu amor, apenas só reajo com prostitutas. Eu quero muito transar com você. Te amo e te desejo loucamente. Mas algo me bloqueia quando estou junto de você.

- Estranho, muito estranho. Bem, se você não quer ir no médico, o que fazer, então?

- Se você topar, eu tenho uma ideia que pode resolver a situação...

- Então me diga, estou curiosa...

- Nós vamos marcar um encontro num dos botecos que eu frequentava... Você vai se vestir de prostituta e fazer de conta que é uma delas... Eu vou está te esperando e de lá vamos a um bordel... Você topa?

Joana sorriu, aliviada.

- Meu amor, se é pra resolver uma situação que será boa pro nosso futuro, eu topo.

E foi assim que Carlos resolveu o seu problema. Durante o namoro e noivado, aquela fantasia sexual passou a fazer parte de suas vidas sentimentais. Carlos foi contemplado com um apartamento, além de ser promovido a pedreiro na mesma empresa que prestava serviço. Joana, que era atendente de farmácia, passou no vestibular pra Biomedicina. Após dois anos que se conheceram, realizaram o sonho de se casarem. Com um detalhe: não deixaram a fantasia sexual de lado. Eventualmente, ele a esperava num buteco, geralmente à noite. Só de pensar, antes dela chegar, ele se excitava. E quando ela chegava, vestida de prostituta, saíam enlaçados até se perderem de vista nas ruas anoitecidas.

Escritor Adilson Fontoura

e-mail: aafontoura@hotmail.com.br

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Adilson Fontoura
Enviado por Adilson Fontoura em 08/02/2017
Reeditado em 10/10/2021
Código do texto: T5906383
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