ESCOLHAS (2)
Jair não conseguia dormir. Seu pensamento dava voltas e mais voltas. Sentia um misto de arrependimento, vergonha e saudade. Olhou para o lado, para sua esposa que dormia profundamente. Lembrou dos momentos de amor que tiveram há pouco. Nunca foi tão difícil cumprir sua obrigação de marido. Comparou as noites que tinha com Mara e percebeu como era diferente. Com Mara as relações eram envolventes, completas, como nunca foram com sua esposa Ana, nem no começo do casamento.
Casara-se cedo com a mulher que julgava amar e agora, 20 anos depois, viu que o amor se transformou em amizade. Sabia que nunca deixaria aquela mulher, companheira de várias batalhas, nem os filhos, tão necessitados de sua atenção. Sua vida não lhe pertencia. A felicidade era para eles.
Supunha que sua vida já estava estabilizada, financeiramente e emocionalmente. Um bom salário, alguns bens. Não esperava que o destino lhe pregasse uma peça.
Quando seu desejo sexual pela esposa deu uma queda, normal em um casamento longo, ele buscou alternativas para suprir suas necessidades de homem. E a seu ver uma mulher de aluguel seria o ideal, sem comprometimentos, nem envolvimentos. Mal sabia ele a reviravolta que isso faria em sua vida.
Quando a mulher viajou para ver a mãe doente, ele viu ai à oportunidade de aplacar a sua sede por algo diferente, “carne nova”, conforme se diz.
Voltou à mesma boate que havia freqüentado nos tempos de rapaz, recém saído da puberdade. Chegou naquela noite à porta da boate querendo voltar, antes tivesse feito isso, mas ao contrario, levado pela necessidade e pela curiosidade, entrou.
Pensando naquele dia, deu um sorriso. Ao entrar seus olhos já encontraram os de Mara, como se tivessem marcado um encontro. Lembrou de cada detalhe, cada beijo, cada cheiro daquele corpo. Seu corpo estremeceu ao relembrar do sexo intenso e demorado que veio depois.
O remorso, o arrependimento e a culpa, combatiam no seu peito com o desejo, a saudade, e o amor que sentia por aquela mulher. Sim, ele amava aquela prostituta. Amava com um amor que nunca tinha sentido. No dia seguinte ao primeiro encontro, já notara algo diferente, uma vontade de voltar àquele ambiente e ver aquela mulher. Saiu direto do trabalho para o puteiro. Dia após dia, semana após semana, durante dois meses ele se deleitou com aquele sentimento.
Mas, quando a mulher voltou, ele viu que não podia continuar assim. Tinha horror que a mulher percebesse, tinha medo que sua vida tão sólida desmoronasse assim. Apavorou-se em imaginar o escândalo que seria se descobrissem suas idas ao prostíbulo, seu envolvimento com a mulher de vida fácil. Mas seu coração vacilava. Não queria abandonar Mara a própria sorte. Se fosse sozinho no mundo, sem dúvida, a teria retirado daquele ambiente.
Pensou muito o que faria. Não havia porem, alternativas. Devia se afastar de Mara, antes que se tornasse tarde demais. Contudo ele já sabia que esse ponto já havia sido ultrapassado. Sabia que Mara sentia por ele a mesma coisa que ele sentia. Seus carinhos, seus beijos, seu gozos eram de uma mulher apaixonada. Não havia fingimento.
Aquele dia sabia agora, foi o mais triste de sua vida. Disse a mulher, pela manhã que teria que fazer uma viagem de trabalho, que voltaria no dia seguinte. Passou no caixa eletrônico, retirou uma boa quantia e foi trabalhar. Esperava que o trabalho abrandasse o sofrimento que ia em seu coração. Ledo engano. Passou o dia mal, ansiando que a noite chegasse rápido, mas demorou uma eternidade. Parou a porta da boate querendo voltar, mas sabia que não podia. Entrou. Mara o esperava, como sempre, sorriso nos lábios, perfume suave. Amaram-se como nunca. Ela perguntou se ele estava bem e estranhou a quantidade de dinheiro que ele lhe deu. Dissera ser um adiantamento dos dias que viriam.
Demorou mais do que de costume. Só saiu do hotel pela manhã. Colocou-a num táxi e observou enquanto ele sumia na esquina e ai chorou. Chorou comovido, deixando toda a emoção vir à tona. Não se importou com os passantes.
Agora, ali deitado, imaginava o que Mara estaria pensando dele. Pensava o que aconteceria com ela, ano após ano naquele pardieiro. Sentia como se tivesse abandonado uma parte de si num ninho de cobras, como se tivesse abandonado um filho num covil de lobos.
Virou para o lado e tentou dormir.