ESCOLHAS (1)

A fumaça e o cheiro de cigarro dominavam o ambiente. A música alta também incomodava. Contudo Mara não se importava. Os anos que passara ali, noite após noite, haviam criado uma carapaça que a protegia ou ao menos a tornava insensível a tudo aquilo. Só o ar frio que vinha do ar condicionado a fazia tremer, vestida naquele biquíni minúsculo. Mas a experiência já a havia ensinado como driblar também esse contratempo: uma dose de conhaque aquecia qualquer defunto e ela já estava na quarta. A bebida, contudo só aquecia seu corpo não seu coração.

Como em todas as noites nos últimos meses ela estava inquieta. Apesar de atender aos clientes com toda a gentileza de sempre, gentileza esta que a tornara a preferida da boate, seu pensamento estava longe. A cada dia que passava era mais difícil esconder a estorvo de se relacionar com aqueles homens de olhares gananciosos, de palavras chulas, de mãos atrevidas. O asco daqueles corpos suados já lhe causava náuseas e o programa, meio de subsistência, um martírio. Alias, já fazia uma semana que ela não saia com ninguém. Evitava contatos mais íntimos. No caso de algum convite sempre inventava uma historia. À cafetina disse estar com a menstruação complicada.

Mas, de todos aqueles sentimentos, o que mais lhe fazia sofrer era a saudade. Saudade daquele homem, que já não via a 10 dias, que sumiu sem lhe dizer nada. Mas, o que ele deveria lhe dizer? Era não passava de uma vagabunda, uma ferramenta de prazer, que era usada por qualquer um que tivesse dinheiro para pagar.

Essa lembrança a encheu de tristeza. Sentiu vontade de chorar. Procurou num canto uma mesa deserta, sentou-se e ascendeu um cigarro. Lembrou-se do dia que o conheceu. Fazia quanto tempo? Dois, três meses? Tão pouco tempo que parecia anos. Seu corpo se arrepiou quando se recordou do que sentiu quando o viu pela primeira vez.

Ela não acreditava em amor a primeira vista, pelo menos até aquele dia, quando o seu olhar cruzou com o dele. Que droga, pensou ela. Uma profissional como ela, com tantos anos de experiência se apaixonando assim como uma adolescente, a pior coisa que pode acontecer com uma prostituta. Mas aconteceu.

Naquela noite só existiu os dois naquele prostíbulo. Dançaram, beijaram-se, coisa que ela evitava a todo custo com o resto dos fregueses, aconteceu com ele por iniciativa dela. E por fim fizeram amor, literalmente, fechando com um gozo que ela não havia sentido com ninguém.

Depois disso, pelo menos 4 vezes por semana ele aparecia e sempre a procurava. E ela se guardava para ele. Comportavam-se como namorados, não como clientes envolvidos nos negócios do sexo. Ela levou até uma reprimenda da cafetina, que julgava aquilo mau exemplo para as outras meninas.

As meninas também notaram tudo aquilo, não havia como não notar. Até os fregueses mais antigos se afastaram. Mas ela nem ligava, pois alem do carinho que ele lhe dava, sempre pagava muito bem os programas.

Ela lembrou também o ultimo dia que o virá. Achou um pouco sério, como se quisesse lhe dizer alguma coisa. Estranhou a quantidade de dinheiro que ele lhe dera, quase o valor de 10 programas! Mas no restante, foi o mesmo homem gentil e ótimo amante.

Ela preferia que ele tivesse sumido depois de uma briga, dizendo-lhe coisas terríveis, não assim, com um beijo tão terno, como aquele que ele lhe deu. Agora ela percebeu que aquele beijo era de adeus.

Ela não pode segurar as lágrimas que desciam do seu rosto. Naquele momento ela percebeu que amava aquele homem, que nunca lhe dissera seu nome. Ela também nunca lhe dissera o seu verdadeiro nome. As damas da noite tinham isso como regra: preservar seu nome verdadeiro.

Olhou ao redor e pela primeira vez, se sentiu deslocada do ambiente. Olhou seu corpo e se sentiu envergonhada, suja, pecadora. Desejou, pela primeira vez em anos, que sua vida fosse diferente. O ar lhe faltou e ela se sentiu sufocada